19/11/2008

"Não é a tecnologia em si que é importante" [The Future Sound Of London]

Pop Rock

14 de Junho de 1995

Future Sound of London explicam “Lifeforms”

“Não é a tecnologia em si que é importante”


“Lifeforms” e “ISDN” são dois mosaicos significativos da música electrónica actual por um dos seus criadores mais ambiciosos, os Future Sound of London. Entre as actividades do grupo, contam-se um programa de televisão de genérico Ensinamentos do Cérebro Electrónico, onde valorizam o poder da palavra escrita e falada. Na ligação da electrónica aos meios de informação vêem o expoente máximo do entretenimento para os anos 90. Enquanto chamam uns aos outros “gelatina invertebrada”.

Garry Cobain explicou ao PÚBLICO a biologia das “Lifeforms” que o grupo elabora em estúdio, os processos dessa mesma criação e as implicações, estéticas e morais, que dela resultam. Os Future Sound of London querem ser algo mais que um simples grupo de música e transformar-se num sistema global de informação.
PÚBLICO – As imagens desempenham um papel tão importante como o da música na estética global dos Future Sound of London?
GARRY COBAIN – Sim, vão até um pouco mais longe. Se ouviu o álbum “ISDN”, saberá que a música foi transmitida via rádio para vários pontos de globo. Neste momento estamos a fazer transmissões de televisão e a desenvolver um programa chamado Teachings from the Electronic Brain [Ensinamentos do Cérebro Electrónico].
P. – “Lifeforms” sugere processos biológicos, formas de vida criadas no computador…
R. – O que queríamos dizer com “Lifeforms” tem mais humor do que isso, embora tenha começado como uma coisa séria. Tínhamos deixado para trás o circuito dos clubes e passámos a prestar mais atenção a nós próprios e ao que nos rodeava. Numa perspectiva como que microscópica. Ao ponto de tudo o que observávamos, em nós ou no estúdio onde gravávamos, ganhar características próprias, como em “Spineless jelly”, nome que demos a uma determinada forma de vida. Passámos a chamar-nos uns aos outros “spineless jellies” [geleia ou gelatina sem espinha, invertebrada] sempre que algum de nós dava qualquer sinal de fraqueza. “Hey, you, spineless jelly!” O disco não trata exactamente de formas de vida do exterior, mas mais uma analogia sobre formas de vida sintéticas que criávamos no meio restrito em que nos movimentávamos.
P. – São lícitas as comparações entre a música do grupo e o som das bandas cósmicas alemãs dos anos 70, como os Tangerine Dream?
R. – Quando começámos a “samplar” sons, o que continuamos a fazer, ouvíamos bastante música além da electrónica. O nosso som relaciona-se com toda a história da música. Aproveitamos todos os “momentos de grande som”, seja na televisão ou sons naturais, de rock ou de jazz, ou do psicadelismo dos anos 70. Nesta perspectiva, somos bastante mais livres que um grupo como os Tangerine Dream.
P. – Por falar em psicadelismo, o uso de drogas facilita de alguma maneira a percepção da vossa música?
R. – Digamos que encorajaria qualquer pessoa a experimentar seja o que for desde que isso a ajudasse a diversificar o mais possível as suas opiniões e a sua própria consciência. Mesmo se isso significar algo tão horrivelmente “careta” como levar o pensamento analítico a um extremo. As drogas são apenas um meio para fazer estremecer o sistema de cada um. Acho isso bastante positivo.
P. – Não se dará o caso de estarmos a viver tempos perigosos para as viagens psicadélicas? É que a poluição em redor é muita, mesmo a nível mental…
R. – Sim, demasiado pensamento, demasiadas “head trips” podem ser perigoso. Por exemplo, resultarem em algo como “Lifeforms” [risos]. Mas é uma matéria complexa…
P. – Concorda que a música tecno ou “house” – com a utilização “científica” de determinadas pulsações rítmicas e mensagens subliminares – pode servir de ferramenta para a manipulação dos jovens que se deixam possuir pelo transe da dança nas discotecas?
R. – Nos Future Sound of London chegámos a uma fase em que nos interessamos bastante pela palavra falada, pela palavra com um ritmo. É uma forma determinada que faz parte de uma evolução constante. Agora que estamos a fazer televisão, estamos a aplicar a nossa criatividade em fazer passar mensagens através da palavra. E, na “net web”, através da palavra escrita. Também estamos a escrever um livro. Todas estas coisas tornaram-se muito, muito poderosas. Vivemos numa cultura que cada vez mais aceita e integra a música instrumental. De tal forma que tanto a palavra falada como a palavra escrita estão, de uma forma quase subliminar, a ganhar cada vez mais poder. É neste aspecto que estamos a investir actualmente, na programação de discursos.
P. – Acabou de se referir a uma “evolução”. Qual é o objectivo último dessa evolução?
R. – O objectivo, no nosso caso, é tornarmo-nos um sistema de transmissão global que esteja receptivo e, ao mesmo tempo, exponha as nossas ideias e os nossos modelos. Um sistema que projecte a “sopa electrónica” a uma audiência maciça. Acreditamos que a ligação da música electrónica a outros “media”, como a rádio, a televisão ou as superauto-estradas da informação, é verdadeiramente o meio de entretenimento mais forte dos anos 90. Acreditamos que podemos atingir algo que fique para a História, um momento crucial no campo do entretenimento. Não é a tecnologia em si que é importante. Quando a tecnologia se torna demasiado importante é porque algo correu mal.
P. – Qual é o lugar, nesse sistema, para a alma humana, se é que acredita na sua existência?
R. – Sim… Somos bastante crentes nesse aspecto. Damos a ver as nossas almas de muitas maneiras diferentes. É bastante interessante, como se revelássemos centenas de almas, em vez de uma só. Podemos jogar com centenas de opiniões, centenas de contradições, centenas de vozes e rostos diferentes. Na chamada idade da experiência, é o mais interessante que pode haver.

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