12/11/2008

Vozes que abrem portas [Coro de Monges Shomyo]

Pop Rock

16 de Novembro de 1994

VOZES QUE ABREM PORTAS

Um coro “Shomyo” constituído por 250 monges “buzan” da seita budista “Shingon” vai actuar no Coliseu dos Recreios em Lisboa. “Música budista”, diz o programa, sem grandes preocupações de objectividade, mas que elucida sobre o “significado” (mais importante é o sentido) de “Shomyo”, “Buzan” e “Shingon”.
No Japão, e em particular nas suas formas religiosas, a noção de transcendência tem um significado diferente da do Ocidente. Ao contrário dos ocidentais, cuja razão (no sentido da “ratio” grega), quando desamparada, serve principalmente para criar o véu de distância e ilusão que parece separar sujeito e objecto, mundo e linguagem, Deus e homem, a coisa e a sua manifestação, a parte e o todo (eis o diabo em acção), os orientais, neste caso os japoneses, soa bastante mais lúcidos e pragmáticos. A transcendência não consiste em “sair” de um lado (do corpo e da mente, coitados, uns empecilhos…) para se elevar até ao “céu”, ao divino, ao paraíso, enfim uma maneira de tentar sair da porcaria que a cada momento continuamos a criar, mas, pelo contrário, deitar fora o que está a mais e nos é espesso e impede de sermos aquilo que nunca deixámos de ser. No fundo, uma acção de limpeza que visa descobrir, revelar a total transparência (alguém disse consciência?). Buda foi e continua a ser um homem asseado. O “Shingon” fala numa escada com dez degraus que é preciso subir para se atingir a iluminação espiritual. Paradoxo? O mesmo de um “haiku”. Não há escada.
Os monges budistas cantam não só para Deus, ou Buda, os ouvir, mas essencialmente para fazerem um enorme estrondo que abra as portas (“Abre-te Sésamo”, conta a fábula, o princípio é o mesmo) e deixe entrar a luz e a música (o raio) que houver (digamos que som e luz são uma e a mesma realidade). Duzentas e cinquenta vozes sincronizadas e vibrantes no mesmo canto/oração/frequência podem ter resultados espectaculares. Para imaginarmos um som ainda maior, refira-se que já houve “concertos” com a participação de mil monges. No Coliseu vamos assistir a um ritual em que o som tonitruante de 250 vozes vai fazer escutar o silêncio.
Já agora, para que se saiba: “Shomyo” significa “voz radiante” ou “sutra com melodia” e é uma forma de expressão vocal do budismo esotérico (oculto, revelado; não, não há contradição) que continua vivo entre os japoneses. “Sutra” quer dizer oração, apoiada num arranjo vocal especial. “Shingon” é uma das seis principais escolas do pensamento budista. “Buzan” designa uma seita “shingon” que preconiza novas formas de ensino.
No Coliseu vai acompanhar o coro de monges “Shingon” o percussionista Eitetsu Hayashi. Escutem.

CORO DE MONGES SHOMYO
19 Nov. Coliseu dos Recreios, Lisboa
20 Nov. Igreja de S. Roque, Lisboa

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