30/10/2009

Ar de fole [Danças Ocultas]

Sons

19 de Junho 1998

Danças Ocultas respiram em novo disco

Ar de fole

“Ar”, segundo álbum do grupo de concertinas de Águeda, Danças Ocultas, recria as micropaisagens do universo dos foles, ao mesmo tempo que respira as altitudes cósmicas da serra. Artur Fernandes carregou no s botões para o PÚBLICO.

Compor formas de música original para concertina é o objectivo prioritário dos Danças Ocultas. Mesmo que, para tal, seja preciso inventar um instrumento novo, como a concertina baixo, e reprimir as tentações de virtuosismo.
FM – “Ar” respira ambientalismo por todos os poros...
ARTUR FERNANDES – Do título, o mais simples possível, à capa, com um mínimo de texto, a preocupação foi que a música pudesse dizer tudo a partir do elemento, o ar, que faz funcionar o nosso instrumento. Foi-se em busca de imagens que se inserissem no contexto estético abordado neste disco, esse tal ambientalismo ou paisagismo.
P. – Podemos falar de micropaisagens?
R. – Sem dúvida nenhuma. O reportório incluído tem bastantes pormenores. Poderíamos falar, quase, na teoria do caos, em que há o macropormenor, o médio pormenor e o micropormenor. Existe um balanço, um ritmo instalado e depois, aí dentro, aparece uma melodia deste, um pormenor daquele, uma resposta de um terceiro, até se chegar à densidade que procurámos para este disco.
P. – Esse trabalho exige um determinado tipo de experimentação?
R. – Seis ou sete dos temas já tinham sido tocados nos concertos. Fomos experimentando coisas mais arriscadas. Apercebemo-nos de que músicas mais densas, com mais contrapontos melódicos e informação, não eram rejeitadas pelo público. Mas no fundo o que continuamos a fazer é ir buscar aquilo que eu chamo a vontade do instrumento. Há determinados contornos técnicos dos dedos que são extremamente fáceis e que por vezes resultam em coisas absurdas mas que, se forem bem arranjadas, podem funcionar bastante bem. Arranjos que foram feitos na totalidade em oficina, por todos os elementos do grupo.
P. – Aparecem a tocar pela primeira vez uma concertina baixo.
R. – Precisávamos de ter mais notas nos graves. Ou mandávamos construir uma concertina com mais botões na mão esquerda, ou inventávamos nós uma solução. Foi o que fizemos. Juntámos duas partes esquerdas – de baixos – de concertinas e um fole maior, para poder ter mais interesse cénico. No lado que acrescentámos pusemos as tais notas que faltavam.
P. – Que fontes de inspiração jorraram em “Ar”?
R. – A grande referência á Astor Piazzolla, a quem fizemos uma espécie de homenagem no tema de abertura, “Escalada”. Outras referências importantes foram Riccardo Tesi, Kepa Junkera, John Kirkpatrick e a Sharon Shannon. Mas nunca num sentido seguidista.
P. – Todos esses nomes não dispensam, de uma maneira ou de outra, exibir o seu virtuosismo, ao contrário das Danças Ocultas...
R. – Sem dúvida. Poderá haver aí um factor genético. Por exemplo, os bascos, como o Kepa Junkera, são muito mais “virtuoses” do que os portugueses, não só no acordeão como noutros instrumentos tradicionais. Mas nós procuramos o nosso valor e não as nossas limitações. Valorizar a expressão em detrimento do virtuosismo. E virtuosismo não é só tocar depressa... Sentimo-nos bem a tocar dentro de determinada estética, a tal música paisagista, e tentamos explorá-la da melhor forma possível. De resto, tanto o Kepa Junkera como o Riccardo Tesi gostaram imenso do nosso primeiro disco.
P. – Por falar em qualidade musical e ausência de virtuosismo, o tema “Pinguim no meu jardim” tem alguma coisa a ver com o Penguin Cafe Orchestra?
R. – Tem. É um tema do Bitocas, o técnico de som do grupo, que sempre gostou muito dos Penguin Cafe. O tema é uma espécie de homenagem a uma certa forma e fazer música que é a do grupo inglês.
P. – A influência da música búlgara não é muito evidente em “Bulgar”...
R. – Sim... É uma questão de acentuações. A divisão rítmica está lá, um compasso de 7/4, no início e no fim do tema. No entanto, não quisemos acentuar demasiado para não se perder o tal lado contemplativo.
P. – O que são as ilusões de “Quatro ilusões”?
R. – São ilusões rítmicas. É uma valsa um pouco mais rápida em que, de vez em quando, o ritmo ternário se transforma em binário, passando a ser uma marcha. São quatro melodias que se vão metamorfoseando ritmicamente.
P. – Há alguma razão para continuarem a não deixar entrar mais nenhum instrumento, além da concertina, no grupo?
R. – Mas tentamos que o grupo não seja o projecto para um instrumento... A maior parte das formações instrumentais, do tipo quarteto de saxofones, quarteto de harmónicas, ou trio de cordas, baseiam o reportório em adaptações, de música clássica ou outra qualquer. Nós fazemos música nova para a concertina. Acabamos por ser um projecto mais de quatro pessoas que, por acaso, tocam o mesmo instrumento.
P. – Além da sua participação nos Sons da Lusofonia, faz também parte de outro grupo, não é verdade?
R. – Sim, os 4 Portango, em que tocamos Piazzolla. Fizemos a banda sonora do filme “Mortinhos por Chegar a Casa” [de Carlos da Silva e George Sluizer] e participámos recentemente na Cimeira Mundial de Tango.
P. – Vai ser difícil arrumar este disco nas prateleiras das lojas. “Música ambiental”, “world music”, “especial instrumentos”?...
R. – Talvez uma estante só para as Danças Ocultas. Em termos internacionais, poderá ser incluído em “world music”, embora não goste muito da designação, porque toda a música é “world”.
P. – Onde é que foi tirada a foto da capa?
R. – Num local da serra do Caramulo chamado Urgueira, no concelho de Águeda. É Portugal, como poderia ser a Colômbia ou o Tibete.

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