12/10/2009

Flak - Flak

Sons

10 de Abril 1998
PORTUGUESES

Flak Floyd

No seu primeiro álbum fora dos Rádio Macau, Flak criou um “flower pot” colorido que verte a memória dos Pink Floyd psicadélicos para um mundo de canções pop sem idade. Um truque de prestidigitador.

O disco de estreia do antigo guitarrista dos Rádio Macau abre com uma cacofonia saturada de efeitos ao estilo dos Negativland, acerta o passo com uma batida de hip hop e entra em velocidade de cruzeiro numa vocalização lisérgica que se religa de imediato aos anos de viagem dos anos 60 e, em particular, aos delírios em “slow motion” de Syd Barrett. Flak tem heróis, isso percebe-se, mas tem igualmente uma inteligência que lhe permite reconverter os pedaços de memória que recolheu na sua juventude num discurso articulado, semeado de provocações e pequenos prazeres em simultâneo, construído sobre o fio da navalha do experimentalismo e pleno de uma sensibilidade cem por cento pop.
Como ele próprio admite, “está no meio” do underground e da pop. Numa linhagem nobre de excêntricos que vai de Kevin Ayers e Daevid Allen a R. Stevie Moore. O tema seguinte, “A dama do lago”, uma das pérolas do álbum, reflecte esse jogo de escondidas com um passado que a cada momento procura abrir caminho no emaranhado de estilos dos tempos actuais. Esse e o tema seguinte, “Antonov”, são alguns dos exemplos de uma costela puramente Floydiana encharcada em psicadelismo.
A própria guitarra de “Ser ou não” (cortada pela intervenção do violino de Zé Ernesto) vai buscar matéria de trabalho a David Gilmour. Assim como a voz frágil de Flak dança com as palavras, faz carícias às notas e bebe gota a gota, até espremer todo o seu sumo, o longo desmaio alucinatório de Barrett. E, no entanto, esta longa sucessão de coincidências é talvez demasiado óbvia para não estar armadilhada. Com a ironia? Por um amor obsessivo? Por um sentido de humor encantadoramente gentil?
Só que Syd Barrett, na linearidade melódica com que traduzia a sua loucura, estava preso à sua visão e, há que dizê-lo com toda a frontalidade, às suas limitações técnicas como cantor e como guitarrista. Flak, mais de 30 anos depois, e aos 36 anos de idade, é, pelo contrário, um homem do mundo, atento aos seus desenvolvimentos e às suas contradições, bem como um trabalhador incansável dos sons e das suas potencialidades. A pureza melódica das suas canções esconde um apurado trabalho de articulação de elementos dispersos. É uma sensibilidade à procura da beleza essencial que atravessa três décadas de música pop, ligando-a a elaboradas engrenagens de estilos que fazem de “Flak” um objecto à margem da recente produção nacional.
“Sei onde me vou perder” é outro dos momentos que nos empurra para trás, até 1967, para os Beatles e para os Zombies, assegurando-nos logo de seguida de que tudo decorre como num sonho de infantil perversidade. O relógio volta a parar entre os anos 60 e os 70 em “O relógio parado”, de novo enriquecido pelo violino de Zé Ernesto e por pequenos sinfonismos barrocos que lembram essa relíquia da pop progressiva que foram os Stackridge.
Depois, encontramos Xana, a antiga parceira nos Rádio Macau, a cantar com uma originalidade e um sentido de equilíbrio que não se vislumbram no seu próprio álbum a solo, em “De azul em azul”. Um caleidoscópio de palavras soltas que magicamente se interligam, sobre ritmos de trip hop e ruídos vinílicos “à la” Portishead, e um sintetizador fanhoso, criam neste tema um dos instantes mais perturbantes de “Flak”. Falsas sitars e harpas, flautas de água, guitarras de sol, criam em “O imenso adeus” mais um “pastiche” iluminado em que tudo parece já ter sido ouvido antes mas mesmo assim nos sabe como a frescura de um fruto.
“Vai de roda” é uma melodia presa por cordéis mas com a força de uma amarra de um navio. Flak tomou a poção dos druídas e “Flak” é um compêndio de história artificial que faz gato-sapato das convenções. Um jogo? Uma brincadeira com consequências? Um flashback experimentado no divã da psiquiatria? Para nunca chegarmos a saber a resposta basta voltar a ouvir tudo do princípio.

Flak
Flak (8)

BMG, distri. BMG

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