30/10/2009

Músico português mutante [Nuno Rebelo]

Sons

12 de Junho 1998

Músico português mutante

“Azul Esmeralda” foi composto por Nuno Rebelo para uma coreografia de Paulo Ribeiro. Um trabalho de gravação e montagem de solos tocados ao vivo, em tempo real, por outros músicos, que resultou no álbum “mais acústico” de sempre do seu autor – o “Fred Frith português”, como já lhe chamou Chris Cutler.

O contrabaixo de Carlos Bica, o trombone e a tuba de Greg Moore e a bateria de Carlos Franco funcionaram como “input” sonoro de “Azul Esmeralda”, a partir do qual Nuno Rebelo arquitectou uma música inclassificável que prolonga algumas das propostas já enunciadas no anterior “M2”. O compositor falou com o PÚBLICO sobre algumas das técnicas usadas, das dificuldades que teve em trabalhar com Philippe Genty e da próxima apresentação na Expo de um espectáculo de “guitarra portuguesa mutante”.
PÚBLICO – “Azul Esmeralda” é bastante menos electrónico que “M2”...
Nuno Rebelo – Não é muito diferente de “Sábado 2”, do álbum anterior. A outra parte desse disco, “Minimal show”, sim, era mais à base de samplers e electrónica. Neste novo disco voltei a trabalhar como em “Sábado 2”, com gravações em disco rígido. Em “Sábado 2” aparecia em destaque a minha guitarra eléctrica e o saxofone do Paulo Curado. Desta vez gravei três músicos que vieram tocar a minha casa, mais ou menos 40 minutos cada um, em solo, para o gravador, sem ouvirem base nenhuma e sem eu lhes dizer ou escrever absolutamente nada.
P. – Trabalhou dessa maneira pelo gosto do aleatório?
R. – Foi um estímulo. Há um primeiro estímulo que é o bailado em si, que me dita ritmos, danças, enfim, que me estrutura a música. Depois há o estímulo do próprio material que me é dado pela identidade de cada um dos outros músicos. Sem eles haveria menos surpresa.
P. – Mas também utiliza sons como grunhidos de “javalis no Jardim Zoológico de Lisboa” ou de “crianças a cantar e a brincar em Santa Maria do Sal”. Foram trabalhados da mesma maneira?
R. – Quase nunca se trata de samplagens, de sons gravados no sampler e tocados no teclado, mas de gravações em DAT que eu depois monto. Resultou no mais acústico de todos os meus trabalhos.
P. – Por falar em trabalho acústico, em que ponto se encontra o seu projecto de “guitarra portuguesa mutante” que vai apresentar na EXPO?
R. – É guitarra portuguesa preparada, amplificada, processada... Trabalhei este instrumento em 93, quando fiz uma série de composições a solo que toquei ao vivo numa ou outra ocasião. Um desses temas saiu na colectânea do Rui Eduardo Paes na Ananana, “No Way out”, tirado de um concerto meu em Tavira. Depois disso tenho usado esse instrumento esporadicamente. Agora no contexto do festival Mergulho no Futuro da EXPO 98 vou fazer um concerto com um “ensemble” de guitarras mutantes. Dois guitarristas a tocar guitarra portuguesa de uma forma convencional, com a guitarra ao colo mais os quatro elementos dos Tim Tim por Tim Tum, cada um com duas guitarras portuguesas montadas em tripés, que irão ser tocadas de várias maneiras, com um arco de violino ou percutidas. Eu vou tocar a harpa de um piano, as cordas do piano mas sem o piano.
P. – Ainda a propósito da EXPO, como é que aparece a fazer a música para o espectáculo “Oceanos e Utopia” do Philippe Genty?
R. – Recebi um telefonema da produção portuguesa, a pedir-me uma cassete para mostrar ao Philippe Genty. Penso que ele ouviu outras, de outros músicos portugueses. Gostou do meu trabalho e quis fazer o espectáculo comigo. Mas não foi um trabalho fácil. Ele não estava nada familiarizado com o meu universo musical e estava sempre a mostrar-me coisas que têm a ver com o Philip Glass ou com o Michael Nyman, com as quais, sinceramente não tenho nada a ver e que não quero, de modo algum, imitar.
P. – Mas o trabalho acabou por ser feito. Com cedências da sua parte?
R. – Não, tive dificuldades no sentido em que para cada cena eu apresentava uma proposta, ele dizia que não gostava, eu apresentava outra, de que já gostava menos, e outra ainda de que gostava ainda menos, e ao fim da quarta ou quinta proposta ele acabava por dizer que a primeira de todas é que afinal estava bem! Ou seja, as minhas propostas iniciais acabaram por ficar mas este processo todo causou-me um tal desgaste que até acho que não as desenvolvi como poderia ter desenvolvido. Há muita gente que me vem dar os parabéns por este trabalho mas penso que poderia ter ficado melhor.
P. – Chris Cutler chamou-lhe o “Fred Frith português”. A comparação lisonjeia-o ou irrita-o?
R. – Sendo um dos músicos que mais me influenciou, é óbvio que reconheço que grande parte da minha personalidade musical se deve à grande quantidade de música que ouvi, e continuo a ouvir, de Fred Frith. Mas entre mim e ele existe um abismo. Falei uma vez com ele quando cá veio tocar com os Naked City, ofereci-lhe uma cassete com coisas que eu tinha na altura, em 1990, com os Plopoplot Pot e ele ofereceu-me um CD dele. Foi uma troca de galhardetes...
P. – Continua a ter uma projecção mediática muito discreta, dando a ideia de que passa o tempo todo a compor e a gravar música em casa. É assim?
R. – Não tenho ninguém que trabalhe a minha imagem, enquanto os outros grupos, nomeadamente ao nível da pop, têm os promotores, os “managers”, essas coisas todas e tal que mandam artigos para a imprensa. Por outro lado também eu próprio não perco muito tempo com isso. A Internet neste momento ajuda-me um bocado a esse nível. Cada vez tenho uma lista de e-mail maior. Sempre que faço alguma coisa nova mando informação para a lista inteira, mantendo as pessoas interessadas a par do meu trabalho. Além de que a minha própria página na Internet está sempre acessível. (http://www.ip.pt/nuno-rebelo)

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