01/09/2021

"Amplifico cada vez mais a bateria" [Chris Cutler]

CULTURA
SEXTA-FEIRA, 21 JAN 2005

 
“Amplifico cada vez mais a bateria”
 
ENTREVISTA COM CHRIS CUTLER
 
O “presidente da avant-garde” atua hoje na Guarda e amanhã em Lisboa, com a sua bateria eletrificada de mil sons.
 
Desde a formação, nos anos 70, dos Henry Cow, até hoje, Chris Cutler, compositor, escritor, baterista e principal responsável pela editora/distribuidora Recommended, tem-se mantido na vanguarda das chamadas “novas músicas”. Aos Henry Cow, onde também militava o guitarrista Fred Frith, se devem a invenção dos termos “art rock” e “new chamber rock”, a origem do movimento R.I.O. (“Rock in Opposition”), e alguns dos melhores álbuns de rock underground inglês dos anos 70. Cutler integrou depois outros grupos importantes, como os Art Bears (ainda com Frith), Cassiber, EC Nudes e News from Babel. As suas colaborações com outros artistas vão dos Residents aos Pere Ubu, passando pelos portugueses Telectu. Chamam “presidente da avant-garde” a este músico multifacetado que está em a Portugal para tocar a sua bateria eletrificada.
            PÚBLICO – Como é que os Henry Cow se relacionaram com a cena do rock progressivo que na mesma época vigorava em Inglaterra?
            CHRIS CUTLER – Tínhamos mais a ver com Frank Zappa, Captain Beefheart ou a geração dos Soft Machine, que trabalhavam com influências do século XX e iam beber à música contemporânea, à música eletrónica, ao jazz dos anos 60 e à improvisação. Nunca nos identificámos com as então chamadas bandas “progressivas”, como os King Crimson, Yes, Genesis ou Roxy Music. Mas dávamo-nos bem com os Egg, Hatfield and the North ou com o Robert Wyatt…
            Quais eram as principais diferenças entre os Henry Cow e os Art Bears?
            Os Henry Cow tocavam longas e complexas peças épicas, com improvisações extensas. Os Art Bears concentraram-se em canções pop curtas e na exploração das possibilidades de composição oferecidas pelo estúdio. Os métodos de trabalho também eram diferentes. Fred, Dagmar [a cantora alemã Dagmar Krause] e eu não discutíamos nada, apenas fazíamos as coisas e víamos se resultavam. Os Cow dissertavam sobre tudo e só agiam depois de chegarem a um consenso.
            Os seus textos e grafismos que assinou para os Art Bears são uma combinação estranha e apocalíptica de ideologia política e simbolismo esotérico…
            Não sei se é assim tão simples mas é verdade que a política e o material mitológico são recorrentes no meu trabalho — esse diálogo através do tempo interessa-me. O álbum “The World as it is Today” corresponde à sua descrição embora o projeto fosse fazer um disco diretamente político que não se parecesse com a obra de Eisler e Brecht. Para mim, escrever um texto é como escrever uma peça, com diferentes personagens, com coisas diferentes para dizer.
            Além de tocar bateria eletrificada, toca uma série de “objetos”. Pode pormenorizar quais?
            Tenho utilizado toda a espécie de objetos físicos ao longo dos anos: de metal ou de madeira, soltos ou fixos na bateria, que tenho “preparada”: Latas de filmes, fatiadores de ovos, bolas de ping-pong, misturadores de cocktail, vibradores de massagem, agulhas de malha, tijelas, material de cozinha, etc. Desde os anos 70 que amplifico cada vez mais a bateria e faço passar todos os sons por misturadoras e equipamento de processamento. A bateria eletrificada está para uma bateria acústica, como uma guitarra elétrica está para uma guitarra acústica. Pense na dicotomia entre Segóvia e Fred Frith ou John Fahey e Jimi Hendrix…
            Quais são as suas influências enquanto baterista?
            No início, tipos como Tony Meehan (dos The Shadows), mais tarde Keith Moon, Mitch Mitchell, John French, Robert Wyatt, Art Tripp, a Tamla Motown, Christian Vander, Elvin Jones, as secções rítmicas de Sun Ra, Edgar Varese, Stockhausen (de “Mikrophonie 1”). Depois destes gosto de muitos bateristas mas nenhum deles me influenciou.
            Teve ou tem alguma atividade política? A frase “A arte não é um espelho, é um martelo” continua a fazer algum sentido?
            No final dos anos 50 e nos anos 60 trabalhei com os movimentos contra o “apartheid” e a guerra do Vietname, e na campanha a favor do desarmamento nuclear. Hoje é tão diferente… “A arte não é um espelho…”, a frase vem na contracapa de “In Praise of Learning” e foi escrita originalmente pelo realizador de documentários John Grierson. Como todos os aforismos, faz sentido num determinando contexto e é um completo disparate noutros. Não é uma verdade universal, mas pode transmitir algo importante na situação apropriada.
 
Chris Cutler
GUARDA Auditório Municipal. Hoje, às 21h30. Bilhetes a 3 euros
LISBOA Galeria Zé dos Bois. Amanhã, às 23h. Bilhetes a 5 euros



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