01/05/2025

OS ANJOS DO BIZARRO (The Residents)


Pop

DISCOTECA

 

OS ANJOS DO BIZARRO

 

Ninguém sabe quem são. Já passaram mais de quinze anos sobre a sua formação e continuamos privados das verdadeiras identidades destes senhores que, em princípio, se julga serem humanos. Vão em vinte e cinco álbuns gravados, uns simplesmente geniais, outros impenetráveis, todos diferentes e situados na galáxia ao lado da pop. O seu percurso é um constante ziguezaguear por entre todas as convenções da música das duas últimas décadas, desembocando em lugar nenhum. Pelo menos, que seja conhecido.

 

The King & Eye - Wikipedia

 

Diz-se que são americanos e, por conveniência e comodidade, é melhor acreditar. Começam por colecionar gravações esquisitas, com incidência em obscuros “hits” dos anos cinquenta e sessenta e em excertos de jazz e “blues” de Nova Orleães. Algures numa floresta da Baviera, conhecem um tal N. Senada, personagem misteriosa que lhes ensina um complicado sistema fonético, aplicado em inúmeros discos da banda.

Cultivam, nos primórdios, a Teoria da Obscuridade, que, em poucas palavras, se pode explicar do seguinte modo: publicar cada trabalho apenas depois dos seus autores o terem esquecido. Assim, por exemplo, o álbum “Not Available”, gravado originalmente em 1974, só é editado quatro anos depois, ficando a figurar como quinto da discografia. Confusos? Não é caso para menos.

 

Teoria da Obscuridade

 

            Os Residents cultivaram cuidadosamente, ao longo dos anos, uma imagem de bizarria e subversão, evidenciadas de forma exemplar logo no primeiro álbum, “Meet The Residents”, cujos títulos e fotografia da capa parodiam o célebre quarteto de Liverpool. De resto, uma das preocupações do, também, quarteto incógnito parece ser a demolição sistemática dos alicerces em que assenta a música popular ocidental. Os Residents introduzem-se no sistema utilizando os seus códigos e canais de divulgação, para melhor o sabotar do interior. A razão de tal atitude, sistemática, permanece um mistério. Como tudo o mais, aliás.

            “Meet The Residents” atira-nos à cara uma massa distorcida de sons e referências desencontradas, desde a ópera e a canção pop imbecil, ao “free jazz” e à música concreta. O rock encontrou um inimigo à altura.

            “The Third Reich ‘n’ Roll” vai ainda mais longe. No primeiro lado, o tema “Swatikas on parade”, uma colagem vertiginosa de vozes distorcidas, a par do soletrar fonético típico da banda, sons eletrónicos e a trituração dos géneros musicais mais díspares tornam a audição a um tempo aterradora e fascinante. Antes dos Residents, só os Faust se atreveram a tanto. Depois dos Residents outros se aventuram por tão incertos caminhos. Os Biota e os Negativland são os que mais inteligentemente o fazem. Do outro lado do disco, “Hitler was a vegetarian”, outra colagem insana, desta vez de êxitos da pop, de bandas como os Beatles ou os Stones. “Interpretações semifonéticas de ‘hits’ do Top dos anos sessenta”, segundo os próprios beligerantes. As toupeiras prosseguem o seu trabalho de sapa.

 

Esquimós e Toupeiras

 

            “Fingerprince”, de 1979, inclui a longa “suite” para bailado “Six things to a cycle”, numa faceta mais clássica, mas não menos original. Um dos convidados é o guitarrista inglês Snakefinger, amigo de sempre da banda, infelizmente já falecido. A cantora Zeibak é outra das presenças assíduas na fase inicial da banda.

            “Duckstab/Buster and Glen” é “vintage” Residents, a estranheza tornada habitual. E chegamos a “Not Available”, o tal que deveria ser segundo e é, afinal, quinto. Sombras, naufrágios iminentes, um tom geral de tragédia e abandono. O disco mais triste de todos. Incontornável.

            “Eskimo” é um tratado sociológico sobre a vida dos esquimós, outra das muitas – algumas inconfessadas – paixões deste bando de lunáticos. Os rituais do nascimento e da morte, acompanhados do princípio ao fim do disco pelo ruído de vento, numa perspetiva muito especial, como não poderia deixar de ser. “Diskomo” é a versão “disco” de “Eskimo”. A partir daqui, os Residents enveredam definitivamente por uma via quase só eletrónica, perdendo-se o humor e o caos sonoro dos álbuns anteriores.

            “Commercial Album” parte de uma ideia original: quarenta temas, com um minuto certo cada, para servir de “jingles” comerciais. Participam no disco Chris Cutler e Fred Frith, e este ainda tem tempo para um solo de guitarra. A versão original apresenta o bónus de um single com mais dois temas-minuto (!). As companhias publicitárias não parecem ter compreendido bem o gesto e as intenções.

            Depois, é a fase da trilogia inacabada, constituída por “Mark of the Mole” e “The Tunes of Two Cities”, que narram a história dos conflitos entre duas sociedades, a das toupeiras e a de outros seres mais esquisitos e de intenções suspeitas. O segundo alterna faixas representantes das conceções musicais de cada uma das sociedades.

            Seguem-se “Intermission”, “Residue” (este com material antigo inédito) e “The Mole Show”, primeiro “ao vivo” da banda.

 

Compositores Americanos

 

            “George and James” inaugura uma série dedicada aos modernos compositores americanos, programada para continuar até ao ano 2000. Os primeiros contemplados foram George Gershwin e James Brown.

            Em 1984, gravam música para o vídeo “Whatever Happened do Vileness Fats?”. Logo de seguida, a banda sonora de “The Census Taker” e o espetáculo para a televisão “Pal TV LP”. “The Big Bubble” (1985) é uma quarta parte para a já citada “trilogia”, sem que tenha havido uma terceira. Big Bubble é também o nome da banda cujos membros descendem do cruzamento entre as duas raças rivais, com êxitos como “Cry for the fire” e o hino “Kula Bocca says so”. O álbum, sem dúvida divertido, permite algumas leituras perversas acerca de entusiasmos nacionalistas e formas de propaganda totalitárias. Mais dois registos “ao vivo”, “The Eyeball Show – Live in Japan” (uma referência ao facto de os Residents terem uma especial predileção por se disfarçarem de globos oculares humanos, depois de já se terem mascarado de camarões...) e “The Residents 13th Anniversary Show”.

            “Stars and Hank Forever” é o segunda da série “Novos compositores americanos”. John Philip Sousa e Hank Williams são, desta vez, os escolhidos. Discos recentes, como “Dark Star” e “God in Three Persons”, não adiantam grande coisa à lenda. O mais recente é uma homenagem (ou sacrilégio) a Elvis Presley, intitulada “The King and Eye” (jogando com o trocadilho entre “eye” e “I”), com clássicos como “Blue suede shoes”, “Heartbreak Hotel” ou “Love me tender” metodicamente trucidados, e a figura do “rei” representada com o inevitável olho no lugar da cabeça.

            Não se sabe ao certo se existe um disco com o título, que muito nos diz respeito, “The Third Secret of Fatima”, mas com os Residents tudo é possível.

 

QUARTA-FEIRA, 21 MARÇO 1990 VIDEODISCOS


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