Pop
DISCOTECA
OS ANJOS DO
BIZARRO
Ninguém sabe quem são. Já
passaram mais de quinze anos sobre a sua formação e continuamos privados das
verdadeiras identidades destes senhores que, em princípio, se julga serem
humanos. Vão em vinte e cinco álbuns gravados, uns simplesmente geniais, outros
impenetráveis, todos diferentes e situados na galáxia ao lado da pop. O seu
percurso é um constante ziguezaguear por entre todas as convenções da música
das duas últimas décadas, desembocando em lugar nenhum. Pelo menos, que seja
conhecido.
Diz-se que são americanos e, por conveniência
e comodidade, é melhor acreditar. Começam por colecionar gravações esquisitas,
com incidência em obscuros “hits” dos anos cinquenta e sessenta e em excertos
de jazz e “blues” de Nova Orleães. Algures numa floresta da Baviera, conhecem
um tal N. Senada, personagem misteriosa que lhes ensina um complicado sistema
fonético, aplicado em inúmeros discos da banda.
Cultivam, nos primórdios, a Teoria da
Obscuridade, que, em poucas palavras, se pode explicar do seguinte modo:
publicar cada trabalho apenas depois dos seus autores o terem esquecido. Assim,
por exemplo, o álbum “Not Available”, gravado originalmente em 1974, só é
editado quatro anos depois, ficando a figurar como quinto da discografia.
Confusos? Não é caso para menos.
Teoria da Obscuridade
Os Residents cultivaram
cuidadosamente, ao longo dos anos, uma imagem de bizarria e subversão,
evidenciadas de forma exemplar logo no primeiro álbum, “Meet The Residents”,
cujos títulos e fotografia da capa parodiam o célebre quarteto de Liverpool. De
resto, uma das preocupações do, também, quarteto incógnito parece ser a
demolição sistemática dos alicerces em que assenta a música popular ocidental.
Os Residents introduzem-se no sistema utilizando os seus códigos e canais de
divulgação, para melhor o sabotar do interior. A razão de tal atitude,
sistemática, permanece um mistério. Como tudo o mais, aliás.
“Meet The Residents”
atira-nos à cara uma massa distorcida de sons e referências desencontradas,
desde a ópera e a canção pop imbecil, ao “free jazz” e à música concreta. O
rock encontrou um inimigo à altura.
“The Third Reich ‘n’
Roll” vai ainda mais longe. No primeiro lado, o tema “Swatikas on parade”, uma
colagem vertiginosa de vozes distorcidas, a par do soletrar fonético típico da
banda, sons eletrónicos e a trituração dos géneros musicais mais díspares tornam
a audição a um tempo aterradora e fascinante. Antes dos Residents, só os Faust
se atreveram a tanto. Depois dos Residents outros se aventuram por tão incertos
caminhos. Os Biota e os Negativland são os que mais inteligentemente o fazem.
Do outro lado do disco, “Hitler was a vegetarian”, outra colagem insana, desta
vez de êxitos da pop, de bandas como os Beatles ou os Stones. “Interpretações
semifonéticas de ‘hits’ do Top dos anos sessenta”, segundo os próprios
beligerantes. As toupeiras prosseguem o seu trabalho de sapa.
Esquimós e Toupeiras
“Fingerprince”, de 1979,
inclui a longa “suite” para bailado “Six things to a cycle”, numa faceta mais
clássica, mas não menos original. Um dos convidados é o guitarrista inglês
Snakefinger, amigo de sempre da banda, infelizmente já falecido. A cantora Zeibak
é outra das presenças assíduas na fase inicial da banda.
“Duckstab/Buster and
Glen” é “vintage” Residents, a estranheza tornada habitual. E chegamos a “Not
Available”, o tal que deveria ser segundo e é, afinal, quinto. Sombras,
naufrágios iminentes, um tom geral de tragédia e abandono. O disco mais triste
de todos. Incontornável.
“Eskimo” é um tratado
sociológico sobre a vida dos esquimós, outra das muitas – algumas inconfessadas
– paixões deste bando de lunáticos. Os rituais do nascimento e da morte,
acompanhados do princípio ao fim do disco pelo ruído de vento, numa perspetiva muito
especial, como não poderia deixar de ser. “Diskomo” é a versão “disco” de
“Eskimo”. A partir daqui, os Residents enveredam definitivamente por uma via
quase só eletrónica, perdendo-se o humor e o caos sonoro dos álbuns anteriores.
“Commercial Album” parte
de uma ideia original: quarenta temas, com um minuto certo cada, para servir de
“jingles” comerciais. Participam no disco Chris Cutler e Fred Frith, e este
ainda tem tempo para um solo de guitarra. A versão original apresenta o bónus
de um single com mais dois temas-minuto (!). As companhias publicitárias não
parecem ter compreendido bem o gesto e as intenções.
Depois, é a fase da
trilogia inacabada, constituída por “Mark of the Mole” e “The Tunes of Two
Cities”, que narram a história dos conflitos entre duas sociedades, a das
toupeiras e a de outros seres mais esquisitos e de intenções suspeitas. O
segundo alterna faixas representantes das conceções musicais de cada uma das
sociedades.
Seguem-se
“Intermission”, “Residue” (este com material antigo inédito) e “The Mole Show”,
primeiro “ao vivo” da banda.
Compositores Americanos
“George and James”
inaugura uma série dedicada aos modernos compositores americanos, programada
para continuar até ao ano 2000. Os primeiros contemplados foram George Gershwin
e James Brown.
Em 1984, gravam música
para o vídeo “Whatever Happened do Vileness Fats?”. Logo de seguida, a banda
sonora de “The Census Taker” e o espetáculo para a televisão “Pal TV LP”. “The
Big Bubble” (1985) é uma quarta parte para a já citada “trilogia”, sem que
tenha havido uma terceira. Big Bubble é também o nome da banda cujos membros
descendem do cruzamento entre as duas raças rivais, com êxitos como “Cry for
the fire” e o hino “Kula Bocca says so”. O álbum, sem dúvida divertido, permite
algumas leituras perversas acerca de entusiasmos nacionalistas e formas de
propaganda totalitárias. Mais dois registos “ao vivo”, “The Eyeball Show – Live
in Japan” (uma referência ao facto de os Residents terem uma especial
predileção por se disfarçarem de globos oculares humanos, depois de já se terem
mascarado de camarões...) e “The Residents 13th Anniversary Show”.
“Stars and Hank Forever”
é o segunda da série “Novos compositores americanos”. John Philip Sousa e Hank
Williams são, desta vez, os escolhidos. Discos recentes, como “Dark Star” e
“God in Three Persons”, não adiantam grande coisa à lenda. O mais recente é uma
homenagem (ou sacrilégio) a Elvis Presley, intitulada “The King and Eye”
(jogando com o trocadilho entre “eye” e “I”), com clássicos como “Blue suede
shoes”, “Heartbreak Hotel” ou “Love me tender” metodicamente trucidados, e a
figura do “rei” representada com o inevitável olho no lugar da cabeça.
Não se sabe ao certo se
existe um disco com o título, que muito nos diz respeito, “The Third Secret of
Fatima”, mas com os Residents tudo é possível.
QUARTA-FEIRA, 21 MARÇO 1990 VIDEODISCOS
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