Pop
LABIRINTO E GRAÇA
LP e CD Les Temps Modernes
STEVEN BROWN & DELPHINE SEYRIG
De Doute Et De Grace
LP e CD Made To Measure, distri. Contraverso
Steven Brown representa o lado
intelectual e sério dos americanos-que-gostariam-de-ter-nascido-europeus,
Tuxedomoon. Blaine Reininger é o lúdico do bigode que toca violino, conta
anedotas, veste casacos aos quadradinhos e, de vez em quando, se distrai e
esquece de imitar David Bowie, produzindo álbuns dignos de registo. Peter
Principle, o esquisito dos barulhos, ultimamente dado a ambientalismos
suspeitos e obscuridades sonoras sempre bem acolhidas e gravadas “por medida”
na editora belga, Made To Measure. Steven Brown marcha mais certinho. Dele não
se conhecem passos em falso. Mantém invariavelmente um superior nível
qualitativo, quer no campo das canções (“Searching For Contact”) quer no
terreno mais ambíguo dos experimentalismos conceptuais (“Music For Solo Piano”
ou as experiências partilhadas com Benjamin Lew, “Douzième Journée...” e “À
Propos D’un Paysage”) e, ultimamente, também poéticos (o disco dedicado à
poesia de John Keats).
“La Grâce Du Tombeur” inscreve-se
simultaneamente nesta e numa terceira tendência, a de composição para filmes ou
outras formas artísticas cúmplices da dos sons. Neste caso, um espetáculo
teatral de Thierry Smits e Antoine Pickels, pretexto para Brown passar para o
vinilo três longas peças instrumentais de extrema complexidade constituindo-se
num todo de múltiplas leituras e no álbum mais experimental de toda a sua
carreira: “The Labirynth”, “The Fall” e “The Flight”. Sequências de lógicas
oblíquas sobrepostas, sonoridades sombrias e ocasionais cintilações, iluminando
fugazmente a massa sonora angustiante que domina todo o álbum. Curiosamente, os
maquinismos rítmicos obsessivos e monstruosos de “Labirynth” ou as vozes
parasitárias e certas desfocagens estruturais de “Fall” lembram operações
semelhantes às obradas pelos Nurse With Wound, em “Spiral Insana” Do outro
lado, “Flight” eleva-se num tom mais ligeiro, com a eletrónica predominante em
todo o disco, servindo de pano de fundo aos arabescos do saxofone de Brown.
“De Doute Et De Grace”, composto
para um filme da Wonder Products, com textos retirados do livro “Cité Du Sang”,
de Carole Naggar, prossegue a via iniciada com o disco de Keats. Mais ainda do
que neste, a música é a das próprias palavras, ditas por Delphine Seyrig, atriz
no “Marienbad” de Resnais, presença e voz encantatórias dos fantasmas de Duras
em “India Song”: Calcutta, o Ganges, Hotel Astor... Música e poesia confundidos
num instante mágico, a memória reinventada em jogos literários e labirintos de
sonhada nostalgia.
QUARTA-FEIRA,
23 MAIO 1990 VIDEODISCOS
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