Na capa [Música ambiental]
A APRENDIZAGEM DO SILÊNCIO
Entre o silêncio e a totalidade dos sons
disponíveis no universo, as permutações são infinitas. Os jovens fartaram-se de
dançar e agora só querem levitar e passar para esferas mais altas. Brian Eno é
que tinha razão.
O silêncio nasce do
recolhimento, da pacificação dos sentidos e da mente. Experiência religiosa,
inseparável do conceito “música ambiental”, cujo objetivo, de acordo com o
sentido etimológico da palavra “religião”, é religar – o homem a si mesmo, à
Natureza e ao transcendente. Ao contrário do rock que explode, dispersando,
anova música implode, concentra, num movimento de “a-tensão”.
Oficialmente, foi Brian Eno o
inventor do termo e da atitude, quando, por acidente, numa ocasião em que se
encontrava imobilizado num leito de hospital, reparou que certas sonoridades
musicais, se escutadas a baixos níveis de volume, tendiam a harmonizar-se com
os sons ambiente, criando uma holografia sonora, por vezes erradamente
designada como “música de fundo”.
Os antecedentes remontam, contudo, à
escola “planante” alemã (Klaus Schulze, Tangerine Dream, Manuel Gottsching,
Cluster, Deuter, Popol Vuh pegaram em baterias e sintetizadores e
sequenciadores e transformaram o lado eletrónico dos Floyd em palácios majestosos
onde se desenrolaram os sonhos cósmicos da geração pós-hippie), às teorias de
La Monte Young firmadas no seu “Theatre of Eternal Music”, ao Zen e à música
religiosa ritual (indiana, tibetana). Por outras palavras: êxtase sem
“Ecstasy”.
Parece que a Ambient House é o
último grito na periódica reciclagem dos produtos lançados pela indústria e
pelos “media”, visando a também cíclica manipulação do gosto das massas
consumidoras. O tiro foi disparado pelos KLF, com o álbum “Chill Out”, versão
“house” dos Pink Floyd de “Meddle” (na música) e “Atom Heart Mother” (na capa).
De repente, surgiram por todo o lado novas bandas a tocar música ambiental,
citando como heróis nomes ainda há bem pouco atirados para a lama, como os
Floyd, Klaus Schulze e Eno, indiscriminadamente etiquetados com o rótulo
depreciativo de “New Age”. As pessoas, diz-se, fartaram-se de dançar e querem é
sopas e descanso. Nas grandes metrópoles abrem clubes em que os frequentadores
em vez de dançarem, ouvem (pasme-se) apenas a música. Fala-se da Natureza, do
Sol, de passarinhos e do mar.
A Idade de Aquário
É certo que, por detrás da confusão
e das operações de “marketing”, há razões cósmicas concretas. Entrámos na era
de Aquário, e quer queiramos quer não, as cabecinhas começam a receber as
vibrações transmitidas da grande estação emissora central, situada, quem sabe,
no coração do Sol, como cantavam os Pink Floyd em “Ste the Controls for the
Heart of the Sun”.
Ninguém reparou, ocupados que
estavam todos com o frenesim da dança e da “techno” qualquer coisa, que dezenas
de músicos, espalhados pelo mundo, que nunca se preocuparam com as voltas do
tempo e das modas, há muito vinham construindo os alicerces de que hoje os
novos se servem para edificar à pressa as “novas” teorias de misticismos
requentados.
Bons ambientes
Sistematizemos então as principais
correntes “ambientais”, de teor mais ou menos contemplativo e compartimentadas
por editoras:
ECM – invenção do produtor Manfred
Eischer. Sons puros, cheios de reverberação e gravações impecáveis. Embora
voltada para o jazz, cedeu parte do seu espaço às contemplações de Stephan
Micus (que gravou um disco na catedral de Ulm, utilizando o som de pedras
percutidas e o eco do templo, noutros discos servindo-se de instrumentos
exóticos e de vasos afinados), Terje Rypdal (“Odyssey”, “After the Rain”) e Jan
Garbarek (“Dis”, “Eventyr” – com harpas eólicas, “The Legend of the Seven
Stones “).
Celestial Harmonies – De
ressonâncias clássicas eruditas. Os seus artistas aliam o rigor conceptual a
uma atitude geralmente mística. O Oriente é a principal fonte inspiradora.
Peter Michael Hamel (teórico e autor de obras fundamentais na exploração dos teclados
num contexto religioso, como “The Voice of Silence” ou “Nada”), o argentino
Roberto E. Detrée (construtor de uma “Architectura Celestis” soando a cristais
vibrando no éter) e Paul Horn (que toca a sua flauta nos espaços sagrados de
vários templos do globo, como em “Inside the Cathedral” ou “Inside the Taj
Mahal”) são algumas das referências importantes deste catálogo.
Recommended – Aqui se congregam as
experiências mais interessantes e originais neste domínio, segundo uma corrente
estética que recorre à pluralidade de fontes sonoras e tradições universais
para criar sínteses inimagináveis. Os seus expoentes são Charles W. Vrtacek
(“Learn to be Silent”, “When Heaven Comes to Town”), Steve Moore (“A Quiet
Gathering”) e Philip Perkins (“Hall of Flowers/The Flame of Ambition”), mestres
na arte da colagem e da utilização heterodoxa do “sampler”. Menção
especial para a escola italiana, de certo modo já afastada do conceito
“ambiental”,partindo para fusões que desembocam em territórios próximos da
“world music” (“Water Messages on Desert Sand” e “Urban and Tribal Portraits”,
obras geniais da dupla Roberto Musci-Giovanni Venosta), ou da música eletrónica
“convencional” (Piero Milesi, Ricardo Sinigaglia). Do lado do pesadelo, os
Biota destroem todas as noções e convenções, esculpindo formas distorcidas em
“Vagabones & Rockabones”.
E.G. – Alberga no seu seio o
inventor do género, Brian Eno. Todos os seus discos, a partir do seminal
“Discreet Music”, incluindo “Music for Films”, “On Land” e “Apollo Atmospheres
& Soundtraks”, são bíblias para a nova geração de “ambientais”. Da matriz
Eno, destacam-se o pianista do silêncio, Harold Budd (“The Pavillion of
Dreams”, “The Plateaux of Mirror”, “Lonely Thunder”) e o exótico Laraaji e as
suas mantras hipnóticas no saltério eletrificado em “Day of Radiance”. Jon
Hassell reina nas suas músicas do “quarto mundo”. “The Sinking of Titanic”, de
Gavin Bryars, alarga o género até às dimensões da tragédia. O trio
Budd-Hassell-Bryars gravou, embora para a Sub Rosa, um dos clássicos do
movimento, o vol. 2 da série Myths (“La Nouvelle Serenité”), que inclui dez
minutos de gravações de sons ambientais como sinos, pássaros e cânticos
religiosos.
Referência ainda para alguns nomes
sortidos: Benjamin Lew-Steven Brown (“A Propos d’un Paysage”), O Yuki Conjugate
(“Into Dark Water”), Virginia Astley (“From Gardens where we Feel Secure”),
Robert Rich (“Numena”), Jeff Greinke (“Timbral Planes”).
Escolham-se os ambientes e parta-se
à descoberta do admirável mundo novo.
VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA, 1 AGOSTO 1990
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