Pop
A
DISCOTECA
SINFONIAS ELETRÓNICAS
Chamam-lhe o papa da música eletrónica. Começou
por tocar bateria num grupo de rock. Depois descobriu umas máquinas em que
bastava ligar o interruptor para sair música. Acabara de inventar a “Kosmische
Musik”. Ainda hoje não desistiu de ser o novo Wagner.
Em finais da década de
60, decorria do escaldo do “fogo” ateado pela geração da paz e do amor. Na
Europa e nos Estados Unidos, os “hippies” principiavam a tirar os enfeites e a
meter as violas no saco. A ingenuidade era substituída pelas grandes conceptualizações
intelectuais. Era a época da música progressiva que desprezava as singelas
canções pop do passado para só se satisfazer com longas “suítes” instrumentais
de pelo menos vinte minutos de duração. A ambição era fazer frente aos
compositores clássicos, compondo obras de grande envergadura, cheias de pompa e
circunstância.
Na Alemanha, sociedade altamente
industrializada e, além disso, cujos membros são totalmente destituídos de
sentido de humor, a ideia ganhou raízes, deslocando-se, contudo, a ênfase
temática para um contexto mais desumanizado e recorrendo-se a meios exclusivamente
eletrónicos na tentativa de criar uma música grandiosa e de ressonâncias
cósmicas.
Berlim Planante
O mote fora dado pelos Pink Floyd do
período compreendido entre “Ummagumma” e “Meddle”. Tratava-se de isolar a
componente abstrata e eletrónica, acentuando a sua dimensão intemporal. A nova
tecnologia eletrónica dos sintetizadores Moog, ARP e VCS3 permitia materializar
as fantasias emergentes, avançando com novas sonoridades que, como resposta,
exigiam do músico e do auditor um novo tipo de sensibilidade.
Em Berlim, o núcleo determinante da
eclosão do movimento gravava os primeiros discos nas editoras pioneiras Ohm e
Cosmic Music, logo seguidas pela Brain. Os seus heróis eram Nietzsche e os
poetas e compositores do Romantismo: Holderlin, Novalis, Rilke, Schubert e
principalmente Wagner. Nova oportunidade para relançar a cultura germânica,
desta vez em direção ao infinito. Os seus seguidores davam pelos nomes de Popol
Vuh, Cluster, Wallenstein, Ashra, Guru Guru, Grobschnitt e Neu.
Klaus Schulze, depois de uma breve
passagem pelo rock, passou a integrar duas das bandas míticas do “boom”
berlinense: os Tangerine Dream, ao lado de Edgar Froese e Chris Franke, e os
Ash Ra Tempel, de Manuel Gottsching. O primeiro álbum dos T. Dream chamava-se
“Electronic Meditation”, título emblemático do mundo em que se movimentava a
nova geração. As vibrações eletrónicas juntavam-se às mentais, ecoando em
concertos realizados no interior de igrejas, numa comunhão extasiada com o
universo.
Novo Wagner
Em 1972 grava para a Brain o seu
primeiro álbum a solo, “Irrlicht”, com um tema de cada lado, como de resto
viria a acontecer ao longo de quase toda a sua discografia. Disco planante,
naipes sintetizados preenchendo totalmente o palco sonoro. Homenagem a Franz
Schubert em “Exil: Sils Maria”. “Cyborg”, duplo de 1973, enuncia os métodos e
obsessões que nunca mais o abandonariam: o primado da harmonia sobre o ritmo e
a melodia, esta reduzida ao desenhar de arabescos modais, quase sempre improvisados
e delineados pela mão direita do intérprete. Vêm estes preciosismos técnicos a
propósito das manifestas limitações de Schulze enquanto teclista convencional.
A sua arte revela-se principalmente no gosto pelas combinações tímbricas e na
utilização dos sintetizadores como intermediários de conceções formais
essencialmente sinfónicas.
Os álbuns a partir de “Picture
Music” viriam a ser distribuídos no resto da Europa pela Virgin, na altura
apostada da divulgação das novas propostas afastadas das correntes pop e rock.
“Picture Music” e “Black Dance” dão a conhecer o músico num dos seus momentos
menos inspirados. Com “Timewind” (1975) assina a primeira obra-prima. Álbum
wagneriano, na grandiosidade e profundidade dos arranjos, no dramatismo, na
abordagem totalitária da massa sonora e até nos títulos, “Bayreuth Return” e
“Wahnfried 1883”, referências diretas ao grande mestre alemão. Richard
Wahnfried, pseudónimo sob o qual grava esporadicamente, revela até que ponto Schulze
se considera o continuador e herdeiro espiritual do autor do “Anel dos
Nibelungos”.
O Crepúsculo dos Deuses
“Moondawn” (1976) repete a fórmula
do disco anterior, revelando, todavia, um maior apuro técnico na utilização do
sequenciador. Como convidado especial na percussão, Harald Großkopf, dos
Wallenstein, chamado sempre que eram necessários os tambores “reais”. “Mirage”
é outro dos pontos altos da carreira discográfica de Schulze, o segundo lado,
“Crystal Lake”, cintilação hipnótica indutora de sonhos e viagens interiores.
Colabora no projeto “Go”, ao lado de
Stomu Yamashta e Steve Winwood, iniciando-se como compositor de bandas sonoras
em “Body Love”. “X”, décimo da discografia, é a sua obra-chave, cujos títulos
são dedicatórias a alguns dos seus heróis: Friedrich Nietzsche, Georg Tackl,
Frank Herbert, Friedmann Bach, Ludwig II da Baviera e Heinrich von Kleist. A
música de Klaus Schulze eleva-se aqui ao máximo expoente, numa sinfonia a
quatro movimentos, digna de ombrear com as dos seus heróis. “Dune” (1979)
sonoriza os mundos irreais da Frank Herbert e “Dig it” marca a entrada no
universo dos dígitos. Preocupa-se com os labirintos da personalidade e da
psicanálise em “Trancefer” (1981) e no duplo “Audentity” (1983), este manifesto
derradeiro de uma música entretanto esgotada na repetição de fórmulas que não
souberam evoluir. “Dziekuje Poland” (gravado ao vivo na Polónia), “Angst”,
“Inter-Face”, “Dreams” e os recentes “Em = Trance” e, já deste ano,
“Mediterranean Pads” giram em círculos avançando para lado nenhum. Interessante
a sua “Babel”, composta e tocada a meias com Andreas Gosser.
Klaus Schulze suscita grandes ódios
e incondicionais amores. Construiu uma obra única e original no campo, hoje
inflacionado, da música eletrónica. Influenciou um número incontável de outros
praticantes. A História decidirá qual o lugar a que tem direito no panteão dos
heróis.
QUARTA-FEIRA,
1 AGOSTO 1990 VIDEODISCOS
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