28 JULHO 1993
ÁLBUNS POPROCK
SENHORAS E SENHORES
JANE SIBERRY
When I was a Boy (6)
CD Sire, distri. Warner Music
MATHILDE SANTING
Texas Girl & Pretty Boy (9)
CD Columbia, distri. Sony Music
Duas senhoras com duas belas vozes que cantam os rapazes. No caso da senhora Siberry, a voz chega, sobeja e está bem acompanhada. Quer dizer: Jane Siberry tem as cordas vocais afinadas mas as canções é que nem por isso. Valha-lhe a produção e carradas de cosmética a disfarçar a vulgaridade que espreita ao virar de cada esquina. Mathilde Santing, por seu lado, além de ser uma senhora é uma senhora intérprete. No novo disco reduziu o leque de compositores a um só – Randy Newman, de cujas composições se serviram, entre outros, Ray Charles, Ringo Starr, Nina Simone, Peggy Lee e os Three Dog Night. Jane Siberry apostou mais nas vestimentas. Escolheu bons costureiros: Brian Eno e Michael Brook, ambos especialistas na “ambientalização” do som. Mas só em três temas: no que abre o disco, “Temple”, co-produzido por Eno (que também toca oboé) em conjunto com ela, em “Sail across the water”, já com Eno sozinho aos comandos, na produção e nas teclas de um Hammond marado, e em “Love is everything”, com produção e “guitarra infinita” de Michael Brook. Engraçado o modo como Eno, no primeiro tema citado, faz com que o tema se pareça com um dos que assinou para David Bowie. “Sail across the water” é música para dançar sem frenesim. No meio deste bom gosto inicial ainda cabe a voz de K. D. Lang, em “Calling all angels” que não sendo uma senhora por convicção é na mesma uma senhora cantora. E pronto. As promessas do início vão sendo aos poucos dissipadas pela falta de ideias que atravessa o resto do álbum. Siberry faz uns arremedos de ousadias Meredith monkianas no início de “All the candles in the world”, lança a rede da música de dança nesse tema e em “An angel stepped down” e desagua nos madrigais góticos à sombra dos This Mortal Coil nos longos “Sweet incarnadine”, “The vigil” e “At the beginning of time”. Sobra o afago da voz e a sensação de que esta poderia ter sido bem melhor aproveitada. É outra a conversa de Mathilde Santing. Com bom material nas mãos, a cantora holandesa faz maravilhas (a maior das quais é o jardim de histórias irreais de “Water under the Bridge”). A sua voz pode não ter o mesmo calor que a de Mary Coughlan, o calor e o sabor de ressaca de Marianne Faithfull, o “pico” atrevido de Rickie Lee Jones ou o intimismo majestoso de K. D. Lang. Mas as armas que tem ao seu dispor – clareza tímbrica, agilidade, controlo dinâmico, elegância e, cada vez mais, doses enormes de sentimento – usa-as da melhor maneira para esculpir cada canção, arrancando-lhe o melhor que ela tiver para oferecer. No caso das canções de Randy Newman, recorrendo a uma base instrumental que privilegia o piano (a cargo de Onno Krijn e Nico van der Linden) e o baixo, por Simon Panting, com colaborações adicionais de acordeão, naipe de cordas, guitarras e os tratamentos ambientais de Mimi Izumi Kobayashi, Mathilde Santing parte numa cruzada pelas estações do riso e das lágrimas, transportada na melancolia de pianos, ora melancólicos, ora fumegantes, ora em queda trágica pelas esquinas de “Same girl”, “Old man on the farm”, e do fabuloso “Bad news from home”. “Tickle me” é irónico e divertido, contrariando a tonalidade sombreada da generalidade do disco, e “Living without you” balança na gravidade de um violoncelo, sobre as luzes infantis de uma caixa de música. Em “Pretty Boy”, Mathilde lança-se sem pára-quedas por ousadias formais que se pensava serem exclusivo de Laurie Anderson. A Randy Newman deve agradecer-se o ter proporcionado à cantora holandesa a oportunidade de subir a grande altura. Tão alto que já a vemos do lado das chamadas “grandes damas”, as tais senhoras que se entregam por inteiro às dores e volúpias da voz.
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