22/12/2008

A bolha de sabão

Pop Rock

26 Fevereiro 1997
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A BOLHA DE SABÃO

Uma bolha de sabão, quando rebenta, faz “pop”. Não conseguiremos encontrar mais nenhum tipo de consistência e permanência na música que também faz “pop”. Ela é, por essência, mesmo assim. Subsiste enquanto perdura uma imagem, uma moda, uma tendência. Afinal, ela não existe sem uma indústria a suportá-la. E a indústria não defende a arte, fabrica produtos para venda. A sua finalidade não é criar obras-primas, mas facturar cifrões.
Não interessa promover o que perdura. O objectivo é manter uma dinâmica de consumo, de manutenção de uma estética do efémero, em que as músicas se canibalizam mutuamente, sobrevivendo enquanto sobrevive o gosto e a apetência das massas, num período de tempo limitado e pré-determinado pela indústria.
Os “media” obedecem, por seu lado, às imposições do “timing” das editoras. A procura, por vezes desesperada, da “next big thing” disfarça o vazio que habita na maior parte das “novas” propostas avançadas pelos “novos” artistas. É a pescadinha do rabo na boca, o apagamento da história. Ou a sua reescrita à luz de interesses políticos e comerciais específicos, como no “1984” de Orwell.
Sabe-se que é assim, mas alinha-se no jogo. Na pop nada de novo foi dito depois dos Beatles, depois dos Beach Boys, depois dos Kinks ou, pelo contrário, a ruptura com o passado é condição necessária para que a ilusão persista? É verdade que, com a proximidade do final do século, o tempo se comprime e todas as épocas parecem próximas e disponíveis para reciclagem. Fenómenos de grupos como os Oasis ou Kula Shaker são sintomáticos da autofagia que predomina nos lugares cimeiros dos “tops”.
Mudaram os meios de produção e difusão, aumentaram a velocidade e a quantidade, isso é um facto. A música e os músicos pop são os mais narcisistas do mundo. Toda a gente se vê no espelho de toda a gente. David Thomas, dos Pere Ubu, disse uma vez, numa entrevista, que existe, actualmente, “música a mais”. Somos invadidos por sons que mais não são do que a mera tecnologia e conceitos de produção a camuflar a falta de talento. Os Kraftwerk, ao menos, não esconderam o jogo, tirando o máximo partido da mentira.
É verdade que existiu ao longo das últimas quatro décadas uma corrente subterrânea que soube aproveitar continuar e desestruturar as lições da história. Uma linhagem de “outsiders” que sempre se esteve nas tintas para fazer coincidir a sua música com os lugares-comuns das respectivas épocas. Dos anos 60 até hoje. Dos Velvet Underground, Captain Beefheart e Mothers of Invention aos Soft Machine, Henry Cow, Can, Magma e Faust. Dos Art Bears aos Art Zoyd. De Ron Geesin a Brian Eno. De Holger Czukay a Holger Hiller. De Anthony Moore a Barry Adamson. Dos Cluster e Neu! aos Trans AM e Tortoise.
Entre o Céu e o Inferno, a distância é a que separa os ouvidos de quem ouve e de quem faz. Qual é melhor, “Sgt. Pepper Lonely Heart’s Club Band”, dos Beatles, ou “We’re only in it for the Money”, uma sátira, incluindo a capa, ao primeiro, de Frank Zappa com os Mothers Of Invention? Ambos ficaram para a história como marcos, mas pelos motivos opostos. Os Beatles, porque conseguiram fazer a síntese perfeita de uma época, juntando o génio da inspiração e a percepção da sensibilidade do final da década a tudo o que os meios de produção tinham para oferecer, em 1967. Os Mothers, exactamente no mesmo ano, porque souberam usar em seu proveito esses mesmos meios (da tecnologia à vampirização do imaginário colectivo), manipulando e ridicularizando a seu bel-prazer, com o mesmo génio e uma descomunal dose de cinismo, quer a indústria, quer o público “mainstream”.
Na verdade, a bolha de sabão, ao rebentar, não faz barulho nenhum.

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