15/12/2008

Nick Cave & The Bad Seeds - The Boatman's Call

Pop Rock

19 Fevereiro 1997

NICK CAVE & THE BAD SEEDS
The Boatman’s Call (7)
Mute, distri. BMG

O canibal tornou-se vegetariano. A esta nova dieta corresponde a interiorização de um estatuto que, álbum após álbum, vem aconchegando o antigo activista dos Birthday Party no altar dos clássicos. “The Boatman’s Call” concede ainda o benefício da dúvida, do tipo “deve haver uma perversão escondida no meio de tanto amor e orações”. O vídeo extraído de “Murder Ballads”, em que Kylie Minogue faz de cadáver afogado e Cave veste a pele do assassino esteta, funcionava ainda na medida dessa ambiguidade. O novo álbum, porém, faz da religiosidade assumida a regra sem excepção, jamais permitindo que a faísca da revolta agite a calmaria da conversão. Leonard Cohen é cada vez mais o modelo a seguir, no estilo em que o líder dos Bad Seeds construía as suas baladas. Mas também Lou Reed (as notas iniciais de “There is a kingdom” remetem de imediato para “Perfect day”), Tom Waits, na imersão sonambúlica em ambientes fumarentos, e o Peter Hammill dos momentos mais calmos, no modo como Cave pronuncia o refrão, “Into my arms, O Lord”, de “Into my arms”. Blixa Bargeld, o desconstrutor-mor dos Einstuerzende Neubatuen, e Mick Harvey reduzem-se a anjos maus a quem cortaram as asas. O papel principal pertence neste disco a um homem só. Perdido no seu solilóquio com Deus e o diabo, em crise de meia-idade ou em crise de vocação, a fé não serve de moeda de troca num bar mal afamado. No álbum mais pessoal da sua discografia, Nick Cave afirma acreditar em Deus, não um Deus intervencionista, mas um Deus que se refugiou nas sombras de uma intimidade impotente. Porque se, como diz na letra de “People ain’t no good”, os homens não prestam, então não vale a pena mexer uma palha e o melhor é mesmo beber a garrafa de cicuta até à última gota e descansar sobre as ruínas. Nick Cave tornou-se no velho pescador contador de histórias que entretém as noites a ruminar memórias. À espera do chamamento que não vem.

Sem comentários: