Pop Rock
5 Março 1997
5 Março 1997
Sete, o número da cura
“Seven” é o sétimo sentido que cura e o título do novo trabalho das Zap Mama, filhos das viagens de Marie Daulne pelo hip hop, o reggae, a soul e a cultura tuaregue. Polifonias dos mundos antigos e modernos para encher os pulmões.
Para Marie Daulne, mentora do grupo vocal feminino Zap Mama, agora com uma secção instrumental e contrato assinado com uma nova editora, é tudo uma questão de descoberta e aprendizagem. Se “Seven” é o seu álbum mais acessível, tal não acontece por uma questão de moda, mas porque ela descobriu a existência de outras maneiras de dar a ouvir as polifonias do mundo tradicional ao mundo moderno. Com a mesma paixão pelo som do hip hop. “O importante é fazer com que as pessoas cantem.”
PÚBLICO – Por que razão escolheu “Seven” para título do terceiro álbum das Zap Mama?
MARIE DAULNE – Sete é um algarismo que está presente em inúmeras culturas. Além disso, há os sete pecados mortais e toda a espécie de conotações simbólicas. Em África, acredita-se na existência de um sétimo sentido, concedido aos artistas, que têm o poder de curar as almas.
P. – A mudança de editora, da Crammed para a Virgin, significa que estavam descontentes com o trabalho da primeira? A mudança implicou alterações no estilo e métodos de trabalho do grupo?
R. – Sim, a Crammed é uma editora pequena e nem sempre dispunha dos meios financeiros para poder assumir a dimensão internacional que pretendíamos. A Virgin é maior e creio que poderá assegurar-nos o sucesso a esse nível. Quanto à nossa música, nada mudou…
P. – Mas é o vosso álbum mais acessível…
R. – Sim, porque cantamos em inglês e temos agora uma secção rítmica que ajuda a uma leitura mais fácil dos ritmos, recorrendo em simultâneo a cadências que toda a gente conhece.
P. – Ao ponto de haver uma série de temas com base no hip hop. Não é, um pouco, encostar-se a uma moda?
R. – Não tem nada a ver com ser ou não uma moda, mas apenas com o facto de gostar imenso de hip hop. A moda surgiu posteriormente, na world music, com grupos como os Deep Forest. Quanto ao hip hop, ouço imenso, sobretudo Spearhead, que é o Michael Franti, com quem, aliás, trabalhei [na banda sonora de “Blue in the Face”]. Também gosto dos US 3 e dos The Roots. Sinto que está a chegar uma nova geração, que aceita, em primeiro lugar, o som, em detrimento da melodia. É o som que fala por si. Se for a um concerto dos The Roots verifica que tocam uma caixa-de-ritmos com a boca ou fazem uso intensivo do “scratch”. Servem-se de tudo o que têm à mão para produzir som. Esta é a filosofia do hip hop e também a minha. A diferença está em que, enquanto os americanos recorrem a todas as máquinas que têm à sua disposição, na Europa fazem-se coisas bastante mais acústicas, mais naturais, mesmo mais silenciosas. Mas, repito, oponho-me a seguir qualquer moda, por isso recuso integrar-me no universo do hip hop ou do jazz.
P. – Apesar disso, nota-se, em “Seven”, que houve um trabalho de produção minucioso. Como é que o grupo trabalha em estúdio? Gravam uma voz de cada vez ou cantam logo em conjunto?
R. – Trabalho sozinha. Todos os discos do grupo foram feitos por mim, sozinha. Gravo uma voz de cada vez, sozinha, mas sabendo de antemão o som que pretendo. É um processo que vivo apaixonadamente, passo o tempo todo a intrometer-me, a mexer em tudo, a escutar o mínimo pormenor. Mas não sou como Bobby McFerrin, que não precisa de mais ninguém. Não resultaria se fizesse como ele. É preciso misturar timbres, vozes diferentes, uma graves, outras agudas, umas outras roucas. Pedi às outras raparigas que cantassem como eu queria. Em “Sabsylma” mudei as raparigas, porque quis usar outros timbres diferentes. Fiz o mesmo neste terceiro álbum, em que pretendi misturar o timbre das vozes com outros instrumentos.
P. – Essa presença instrumental mais forte não descaracterizou o grupo? As Zap Mama deixaram de ser o grupo de vozes “a capella” dos dois primeiros álbuns…
R. – É simples, as Zap Mama não são um grupo no sentido restrito do termo, mas um conceito que eu própria inventei. No início, a ênfase era posta nas polifonias do mundo inteiro e foi isso que fiz. Presentemente, numa altura em que toda a gente tem a cabeça voltada para a polifonia, decidi cantar de outra forma e voltar-me para o mundo moderno.
P. – Ao vivo, as coisas funcionam da mesma maneira?
R. – Quem já ouviu as novas Zap Mama já comprovou a existência da nova componente rítmica e instrumental. Digamos que, hoje, tocamos para um público mais intelectualizado, enquanto, no início, o fazíamos para uma plateia mais simples, talvez mais próxima do mundo africano. Hoje tocamos para toda a gente. Todos têm direito a escutar polifonias.
P. – Como conheceu o “rasta” U-Roy, que participa em “XXX”?
R. – O meu empresário é também organizador de concertos e falou-me de um com U-Roy, um músico que ouço e adoro desde os meus 14 anos. Larguei tudo para ir ao concerto, encontrei-me com ele e convidei-o a tocar connosco. Felizmente, ele concordou…
P. – Como surgiu a ideia de fazer a versão de “Damn your eyes”, de Etta James?
R. – Quando era adolescente, ouvi esta canção na altura em que sofri uma desilusão amorosa e foi ela que me ajudou a sair da tristeza. Ao inclui-la em “Seven” achei que talvez pudesse, de novo, ajudar outros adolescentes a sair da mesma situação…
P. – Agora que o fenómeno da world music está firmemente implantado, é mais fácil fazer chegar ao público a música das Zap Mama?
R. – Sem dúvida que sim, mas o meu objectivo não é tirar partido da sorte, mas sim descobrir e divulgar os sons de outros povos. Se um maior número de pessoas ouvir a música das Zap Mama, o importante é poderem dizer: “Ah! Olha a música dos tuaregues!” Ou: “Oh, é assim a música dos pigmeus?” Este é o meu objectivo principal. Pessoas que nunca tiveram antes qualquer contacto com a música étnica, vão descobrir e apreciar outros povos e culturas e tomar consciência de que não estão sós sobre a Terra.
P. – “Sabsylma” tem como conceito base a luta contra a injustiça. “Seven” parece inclinar-se mais para o lado do misticismo. É verdade?
R. – Não sei se há misticismo… A única diferença que sinto em relação ao que era quando fiz “Sabsylma” é que agora sou mãe. Tenho a impressão de ser mais realista neste álbum. No primeiro disco do grupo, vivia num mundo que, embora sendo real, era um mundo que ninguém conhecia.
P. – “Zap Mama” e “Sabsylma” jogaram, em grande parte, no efeito da surpresa. Agora que ela se desvaneceu, as Zap Mama investigam novos caminhos?
R. – Estou sempre a descobrir coisas novas. Novos músicos, como Stéphane Galland e Michael Hatzigeorgiou, com quem aprendi muito. Com os tuaregues, descobri novas maneiras de funcionar. Fez-me abrir os olhos para novas realidades.
P. – O estilo vocal das Zap Mama fez escola, com seguidores como as Évasion, por exemplo. Como encara este facto?
R. – É verdade. Quanto mais pessoas houver para fazer este estilo de coisas, melhor. Desde que o façam bem, claro. Se não fosse assim, não fazia sentido gravar discos. Por mim, gostaria de fazer cantar as pessoas que sentem desejo de o fazer.
P. – Para acabar, que força é que a faz cantar?
R. – Saber que, através do canto, se cura muitas doenças. Que a melodia tem um poder de cura. As pessoas têm falta de ar, em vez de tomar remédios, deviam encher os pulmões. E o canto é, na essência, encher os pulmões.
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