CULTURA
SÁBADO, 22 NOV 2003
Crítica
Música
A
rumba, o tango, a tanga
CHICK COREA
LISBOA
Grande Auditório do CCB
Quarta-feira.
Esgotado
Chick Corea encheu, na
quarta-feira, o Grande Auditório do CCB, depois de ter feito o mesmo na véspera,
no concerto de encerramento do Festival de Jazz do Porto. Encheu a sala, mas
não as medidas de uma fação – pequena – do público, para quem o jazz é música
demasiado séria para poder ser amassada de ânimo leve.
Chick
Corea, pianista reputado com lugar garantido nas enciclopédias, tem do jazz,
embora nem sempre estando para aí virado, uma noção que não dispensa o
espetáculo. Provou-o no CCB e pôs à prova, em certos momentos do duplo “set”
lisboeta, a paciência dos melómanos da fação dura.
Decorreu
morna a primeira parte, a música escorrendo em jazz agradável, fusionista, de
colorido latino-americano, com o trio, que afinal passou, no programa, a
quarteto e, finalmente, aumentou para quinteto, com a presença em palco do
percussionista convidado Ruben Dantas e... sexteto, com as colaborações
esporádicas da vocalista e mulher do pianista, Gayle Moran. Música bonita,
sabendo-se como “bonita” é inimigo de “ótima”. Deu para perceber que o
contrabaixisa Avishai Cohen é um prodígio de técnica e colocação, da escola de
um Dave Holland. E que Moran (de quem recordamos a participação no álbum
“Apocalypse”, dos Mahavishnu Orchestra), chamada para cantar o inédito
“Carrousel” e “500 miles high”, servido no álbum “Light as a Feather”, dos
Return to Forever, pela voz de Flora Purim, mais do que “scatar”, miou, a dar
cabo das cordas vocais e dos ouvidos.
Em sintonia
com o tom geral do concerto, o intervalo serviu para anunciar, após sorteio prévio,
os felizes contemplados com a oferta de CD autografados pelo próprio Corea.
Cumprido o
ritual de “marketing”, o segundo “set” subiu de nível. Abriu com “Armando’s
rumba”, dedicatória ao pai em piano solo, pleno de pirotecnia mas também de
algumas boas combinações harmónicas, prosseguiu com novo inédito ainda sem
título e agigantou-se em “Anna’s tango”, dedicado à mãe, sobretudo graças a
mais um excelente solo de Avishai Cohen – a pate final coincidiu com um dos
melhores e, provavelmente, menos espetaculares, momentos da noite, ouvindo-se
Corea a percutir as teclas do piano de maneira a acrescentar às últimas notas
de cada frase do contrabaixo uma fantasmagórica ressonância.
Quando, a
partir de um frutuoso diálogo entre a bateria de Jeff Ballard e as percussões
de Dantas, os restantes instrumentistas se lhes juntaram para um festival de
batucada a cinco, os ânimos aqueceram ao rubro. Concerto ganho, faltava a festa
rija. Veio no “encore”. Chick Corea fez então o papel do “entertainer”,
conseguindo pôr a plateia a cantar a cinco vozes (em esplêndida afinação e
sincronização, francamente melhores, aliás, que Gayle Moran...), mas tudo se
desmoronou como um castelo de cartas quando a música descambou para um excerto
piroso do “Concerto de Aranjuez”, de Joaquin Rodrigo (com o saxofonista Steve
Wilson a fazer os possíveis para mostrar que não estivera ali como carta fora
do baralho...) e a senhora Corea resolveu que a melhor forma de terminar um
concerto era pôr o público a bater palminhas de acompanhamento.
EM RESUMO
Bom
entretenimento, música assim-assim. As virtudes técnicas do contrabaixista não
chegaram para apagar as maldades vocais da senhora Corea
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