29/11/2019

A rumba, o tango, a tanga [Chick Corea]


CULTURA
SÁBADO, 22 NOV 2003

Crítica Música

A rumba, o tango, a tanga

CHICK COREA
LISBOA Grande Auditório do CCB
Quarta-feira. Esgotado

Chick Corea encheu, na quarta-feira, o Grande Auditório do CCB, depois de ter feito o mesmo na véspera, no concerto de encerramento do Festival de Jazz do Porto. Encheu a sala, mas não as medidas de uma fação – pequena – do público, para quem o jazz é música demasiado séria para poder ser amassada de ânimo leve.
            Chick Corea, pianista reputado com lugar garantido nas enciclopédias, tem do jazz, embora nem sempre estando para aí virado, uma noção que não dispensa o espetáculo. Provou-o no CCB e pôs à prova, em certos momentos do duplo “set” lisboeta, a paciência dos melómanos da fação dura.
            Decorreu morna a primeira parte, a música escorrendo em jazz agradável, fusionista, de colorido latino-americano, com o trio, que afinal passou, no programa, a quarteto e, finalmente, aumentou para quinteto, com a presença em palco do percussionista convidado Ruben Dantas e... sexteto, com as colaborações esporádicas da vocalista e mulher do pianista, Gayle Moran. Música bonita, sabendo-se como “bonita” é inimigo de “ótima”. Deu para perceber que o contrabaixisa Avishai Cohen é um prodígio de técnica e colocação, da escola de um Dave Holland. E que Moran (de quem recordamos a participação no álbum “Apocalypse”, dos Mahavishnu Orchestra), chamada para cantar o inédito “Carrousel” e “500 miles high”, servido no álbum “Light as a Feather”, dos Return to Forever, pela voz de Flora Purim, mais do que “scatar”, miou, a dar cabo das cordas vocais e dos ouvidos.
            Em sintonia com o tom geral do concerto, o intervalo serviu para anunciar, após sorteio prévio, os felizes contemplados com a oferta de CD autografados pelo próprio Corea.
            Cumprido o ritual de “marketing”, o segundo “set” subiu de nível. Abriu com “Armando’s rumba”, dedicatória ao pai em piano solo, pleno de pirotecnia mas também de algumas boas combinações harmónicas, prosseguiu com novo inédito ainda sem título e agigantou-se em “Anna’s tango”, dedicado à mãe, sobretudo graças a mais um excelente solo de Avishai Cohen – a pate final coincidiu com um dos melhores e, provavelmente, menos espetaculares, momentos da noite, ouvindo-se Corea a percutir as teclas do piano de maneira a acrescentar às últimas notas de cada frase do contrabaixo uma fantasmagórica ressonância.
            Quando, a partir de um frutuoso diálogo entre a bateria de Jeff Ballard e as percussões de Dantas, os restantes instrumentistas se lhes juntaram para um festival de batucada a cinco, os ânimos aqueceram ao rubro. Concerto ganho, faltava a festa rija. Veio no “encore”. Chick Corea fez então o papel do “entertainer”, conseguindo pôr a plateia a cantar a cinco vozes (em esplêndida afinação e sincronização, francamente melhores, aliás, que Gayle Moran...), mas tudo se desmoronou como um castelo de cartas quando a música descambou para um excerto piroso do “Concerto de Aranjuez”, de Joaquin Rodrigo (com o saxofonista Steve Wilson a fazer os possíveis para mostrar que não estivera ali como carta fora do baralho...) e a senhora Corea resolveu que a melhor forma de terminar um concerto era pôr o público a bater palminhas de acompanhamento.

EM RESUMO
Bom entretenimento, música assim-assim. As virtudes técnicas do contrabaixista não chegaram para apagar as maldades vocais da senhora Corea

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