CULTURA
TERÇA-FEIRA, 18 NOV 2003
Crítica
Música
Progressivos
GIANLUIGI TROVESI + BIG BAND
5ª feira. Sala quase cheia.
MARTIAL SOLAL, ORCHESTRE NATIONAL DE JAZZ
Domingo.
Assistência fraca.
LISBOA
Grande Auditório da Culturgest
Os concertos de uma
"big band" dirigida por Gianluigi Trovesi e da Orchestre National de
Jazz de França, sob a direção de Claude Barthélemi, que tiveram lugar
sexta-feira e domingo, respetivamente, no Grande Auditório da Culturgest,
vieram repor a velha questão do que é ou não música de jazz. Questão
aparentemente irrelevante na medida em que importará, acima de tudo, a
valorização da música de "per si", independentemente de qualquer
enquadramento e definição de um género que, esgotado o estertor efusivo do
"free jazz", se viu nas últimas três décadas na contingência de
procurar em seu redor novas fontes de alimentação.
O jazz assimilou músicas e culturas limítrofes, fruto dessa
necessidade mas também do confronto do músico com um "overload" de
informação. Na música quer de uma quer de outra banda - excelente em qualquer
dos casos – o jazz tornou-se mimetismo.
Trovesi, além de executante virtuosístico nos saxofones e no
clarinete, é um "jongleur" de fórmulas musicais antagónicas. Os
arranjos para "big band" que foram dados a ouvir na Culturgest, de
temas como o exaltante "From G to G", "Herbop",
"Dédalo", "Now I can" e "Sogno d'Orfeo",
entonteceram o jazz no "carrocel do oito", numa vertigem de citações
a "New Orleans" e ao "bop", à música barroca, aos folclores
de diversas proveniências, ao cinema de sons de Nino Rotta e ao... rock
progressivo.
Trovesi controlou o seu circo de forma magnífica, concedendo
largo espaço de manobra à música mas também ao humor, como numa pantomima que
levou o saxofonista François Corneloup a escapar-se para os bastidores
continuando a tocar, a que se seguiu um "show-off" de Nicolas
Nijholt, concluído com um "solo" de trombone a imitar um motor de
automóvel. Entre os solistas, a parte de leão coube ao trompetista alemão
Markus Stockausen, misturador de sons planantes e electrónica, enquanto o
guitarrista Nguyien Lê optou por criar texturas oníricas igualmente saturadas
de efeitos electrónicos em alternância com solos de inspiração Hendrixiana.
Bastante discretos estiveram a pianista belga Nathalie Lorriers e,
surpreendentemente relegado para a última fila dos metais, o mítico trompetista
inglês Henry Lowther.
No domingo, após uma primeira parte preenchida por uma
entediante atuação a solo do pianista Martial Solal - cujo lugar na história do
jazz francês é inquestionável, mas a cuja agilidade de dedos correspondeu, no
concerto da Culturgest, um universo fechado no tempo, à deriva numa sucessão de
clichés que se anulavam mutuamente - a Orchestre National de Jazz (ONJ),
através das composições e direcção de Claude Barthélemy deu sequência a algumas
das premissas avançadas por Trovesi (que, aliás, participa no álbum da
orquestra, "Charméditerranéen"), levando-as para territórios ainda
mais extremados. A ONJ, composta maioritariamente por músicos jovens, deu corpo
a um caleidoscópio, por vezes ofuscante, onde cores, formas e épocas distintas
do jazz se cruzam e interpenetram. Do swing ao charleston, dos
"blues" ao "free jazz" e ao "free rock", passando
pela música árabe e por derivações colectivas que lembraram René Lussier e a
estética da editora canadiana Ambiances Magnétiques.
Barthélemy, além de guitarrista com forte costela rockeira,
tocou alaúde árabe e mostrou ser notável alquimista na forma como harmonizou,
separou e uniu os vários blocos da orquestra. Num dos temas, Vincent Limouzin
saturou de efeitos e reverberção o vibrofone, como fazia Robert Wood no
primeiro e enigmático álbum dos Lard Free, conferindo ainda mais à música da
ONJ uma tonalidade geral evocativa dos anos 70 "progressivos".
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