JAZZ
DISCOS
PÚBLICO
4 OUTUBRO 2003
Com “Satchmo” e as suas
formações do final dos anos 20, Hot Five
e Hot Seven, o jazz entrou na sua
idade adulta.
What a wonderful
new world
Nos anos 20, na
época em que o jazz era apenas “música de pretos”, Louis Armstrong limpou a má
consciência da população americana branca, cujo racismo confinara o jazz, logo
à nascença, ao gueto das músicas folclóricas, mais ou menos “exóticas”. A
música de “Satchmo”, se não aboliu inteiramente os preconceitos, obrigou pelo menos
a que todos reparassem nela.
De New Orleans, cidade-berço de
“Satchmo”, para Chicago, onde ele e outros jazzmen representativos do jazz de
New Orleans se instalaram para melhor fazer passar a sua mensagem de afirmação,
por enquanto sobretudo estética, mas também por motivos económicos, Armstrong
lançou as raízes do jazz clássico. A emancipação chegaria mais tarde.
Depois de passagens pela Creole Jazz
Band, de King Oliver e da “big band” de Fletcher Henderson, onde permaneceu
durante 13 anos, Louis integrou, a partir de 1925, pequenas formações, as Hot
Five e Hot Seven, que, num período de quatro anos, entre 1925 e 1929, gravaram
para o selo Okeh uma série de sessões que entrariam para a história.
O presente pacote de reedições,
remasterizadas e enriquecidas com um extenso rol de notas informativas, agrupa
as sessões nos volumes 1 (Novembro de 1925 a Novembro de 1926), 2 (Novembro de
1926 a Dezembro de 1927) e 3 (Dezembro de 1927 a Dezembro de 1929) destas
gravações, ficando, para já, de fora, um tomo-extra que abrange sessões que vão
até Abril de 1930.
A seu lado “Satchmo” tinha duas
lenas do jazz de New Orleans, o trombonista Edward “Kid” Ory (que já o
contratara para tocar corneta, ainda antes de entrar para o grupo de King
Oliver. Ory seria entretanto substituído por John Thomas) e o clarinetista
Johnny Dodds.
Os Hot Five e Hot Seven trouxeram
para o jazz o balanço do “swing”, lançando-o à cara da população branca, que
aproveitou para dançar, imune por enquanto à carga ideológica que só mais
tarde, com o advento do be-bop, outros músicos negros usariam como força motriz
(os anos 30 seriam ainda os do “entertainment”, através do triunfo das “big
bands”). “Satchmo” representava o humor e a alegria, o virtuosismo ao serviço
de uma atitude onde o júbilo era uma constante, com “scat” vocal a pontuar
fraseados na corneta, em que a criatividade e a arquitetura harmónica se
conjugavam para afirmar a definitiva implantação do “blues” como alicerce sem o
qual o jazz, daí para a frente, não poderia evoluir.
O som de “New Orleans” (o banjo de
Johnny St. Cyr estava longe de se remeter a um papel secundário) revolvia-se
ainda num otimismo “naїf”, mas temas como “You’re next”, com a introdução
classizante do piano de Lil Hardin (mulher do trompetista), apontavam já para
novos horizontes.
No volume 2, o som clarifica-se e a
música ganha novos cambiantes. “Potato head blues” solta em definitivo
“Satchmo” enquanto solista, através de uma “performance” onde o swing mostra
como tudo se joga, não só no “drive”, como na sábia gestão dos intervalos. O
“blues” impõe-se e “Satchmo” cultiva como ninguém o “vibrato” (“Wild man
blues”, “Melancholy”), restituindo-lhe uma dignidade que os prazeres ingénuos
do jazz de “New Orleans” não deixavam antever.
Earl Hines entra no último período,
quando os arranjos prenunciam já a necessidade de uma formação instrumental
mais vasta e a consequente formação da “big band”. Com Hines (cuja interação
com o trompetista/cornetista alguns comparam a Bud Powell, na transposição para
piano das revoluções de Charlie Parker), os Hot Five alargam o seu espaço de
intervenção.
Quando Armstrong canta “Monday date”
entra-se finalmente no território familiar daquele “wonderful world” que todos
conhecem e a América transformou em espetáculo, pal mão do seu melhor
embaixador. Com Louis Armstrong o jazz afirmou-se além-fronteiras e partiu à
consquista do mundo.
LOUIS ARMSTRONG
The Complete Hot Five & Hot Seven Recordings,
Volumes 1, 2 & 3
10 | 10
Sem comentários:
Enviar um comentário