09/12/2008

Ó tempo, volta para trás no próximo milénio

POP ROCK

29 Janeiro 1997

Ó tempo, volta para trás no próximo milénio

Duas novas colectâneas da música portuguesa vão ser postas no mercado nos primeiros dias do próximo mês, “Millenium”, pela EMI-VC, e “Sunset Music from Portugal”, pela MVM. Ambos procuram capitalizar no mercado (florescente?) da new age.

“Millenium” é uma tentativa de revalorização de material de fundo de catálogo da EMI-VC sob o dito rótulo “new age”. “Um disco de ambientes, para repousar o espírito do ‘stress’ e da canseira, para convidar o ouvinte a uma doce viagem por paisagens longínquas que só na imaginação existem (…), para descobrir o terceiro milénio que se aproxima”, explica a promoção. Assim, o próximo século será recebido ao som de Nuno Rebelo, Sétima Legião, Ala dos Namorados, Lua Extravagante, Fernando Lopes-Graça, Banda do Casaco, Rui Veloso, Carlos Paredes, Janita Salomé, Diva, Grupo Etnográfico de Idanha-a-Nova, Amália Rodrigues, Madredeus, António Pinho Vargas, Carlos Seixas e Heróis. Música clássica, tradicional, fado, rock e electrónica juntas num mesmo pacote de ambientes para o próximo milénio.
A MVM irá, por seu lado, distribuir uma edição da SPA (ver PÚBLICO de 19 de Janeiro), onde são notórias idênticas intenções de receber os próximos mil anos com músicas já um bocadinho amarelecidas pelo tempo. Com a agravante de, além de velhinhas, serem requentadas e postas na mesa por um senhor – Thilo Krassman – que não se pode considerar, propriamente, sinónimo de modernidade. Thilo agarrou no seu sintetizador, convidou Tomás Pimentel, na flauta, José Meneses, m saxofone, e Silvestre Fonseca, na guitarra acústica, e tratou de transformar em música de elevador algumas das “melodias de sempre” da música portuguesa.
Com uma capa, também ela, convenientemente “new age” (facção pôres-do-sol com filtro), “Sunset Music from Portugal” faz uma papa de temas como “Canção do mar”, “Feiticeira”, “Coimbra (April in Portugal)”, “Venham mais cinco”, “Vem”, “Uma casa portuguesa”, “Vila faia”, “Lisboa à noite”, “Queda do império”, “Porto sentido”, “Amélia dos olhos doces”, “Sol de Inverno”, “Desfolhada portuguesa” e “Lisboa, menina e moça”, entre outras. Ou seja, compositores como Frederico de Brito, Luís Represas, Raul Ferrão, Pedro Ayres Magalhães, Rui Veloso, Carlos Mendes, Jerónimo Bragança/Nóbrega e Sousa, Ary dos Santos/Nuno Nazareth Fernandes e Paulo de Carvalho/Fernando Tordo, entre outros, misturados e enfrascados num boião cheio de nada. Bom, mas não nos esqueçamos que a intenção dos responsáveis pelo aborto, perdão, projecto, é boa, uma vez que, dizem, “nada há que traduza melhor o pulsar do coração dum povo do que a sua música”. Digamos que o coração do povo, a pulsar desta maneira, anda a precisar de um “pace-maker”.
Aliás, o fenómeno new age à portuguesa não se esgota na edição destas duas colectâneas. A Strauss – responsável por dez metros quadrados de escaparates, pelo menos, em cada discoteca, dedicados a este género musical onde cabem discos das boas editoras, como a Hearts of Space, e pavorosos catálogos cheios de desenhos coloridos, signos do horóscopo e sons de baleias – lançou o seu selo subsidiário Evolution, vocacionado para a edição dos sons lusos da nova idade. O responsável é o músico e produtor Zé da Ponte e do catálogo fazem já parte “De Pacem Domine” do Coral de São Domingos, “Mapas”, de José Calvário, os mais recentes lançamentos, “Marés”, de Nanutu, vulgo o saxofonista angolano Nandinho, e “Lusitânia Candles”, dos Nau. O mote da Evolution garante que, “na era das transformações e das decisivas opções, há momentos em que o pensamento humano se detém para se interrogar e buscar à sua volta o ponto de identificação com o tempo e o lugar que ocupa”.
No meio de tanta relaxação, bio-ritmos, baleias (e alguns golfinhos), flautadas de índios, baralhos de Tarot, tantrismo para domésticas, magias avulsas e um infindável folclore que tem mais a ver com o esgotamento de uma época do que com o espírito da que aí vem, ainda é possível descortinar fugas à facilidade e ao lugar-comum num disco como “Deep Travel”, de Carlos Maria Trindade, onde alguns dos estereótipos new age são reformulados numa linguagem personalizada e atenta aos ventos da mudança.
Depois, é esperar pela noite que há-de suceder ao falso ouro do pôr-do-sol do planeta virtual e pelo dia que há-de romper a escuridão da “nova ordem”. Estejamos atentos aos sinais.

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