22 SETEMBRO 1993
CATEDRAL DA ILUSÃO
DEAD CAN DANCE
Into the Labirynth
4AD, distri. MVM
Brendan Perry e Lisa Gerrard são sérios e sisudos, místicos modernos, arquitectos de catedrais de som que vão à procura dos segredos dos construtores antigos. Assim acontecera já no álbum anterior da banda, “Aion”, com a recriação de algumas vertentes características da música antiga, da Idade Média e Renascimento. “Into the Labirynth” procura investigar noutras paragens. A oriente, no encontro com a música indiana, no tema de abertura, “Yulunga”, na herança folclórica britânica, em “The wind that shakes the barley” – que permite a Lisa assumir sem complexos e de forma convincente o canto “a capella” tradicional –, na reprodução de memória das vozes búlgaras, em “Saldek”, terminando na visão da decadência, por Brecht, recontextualizada em “How fortunate the man with none”. Três temas conseguem a síntese equilibrada e original desta mescla de influências: “Toward the within”, “The spider’s stratagem” e sobretudo “Emmeleia”, em que as vozes de Perry e Gerrard se harmonizam em amoroso anelo. O ambiente, no interior do labirinto, é escuro, carregado de uma religiosidade soturna e profana. Vai-se de escorrega até ao fundo pelas cordas de violoncelos que descem ao limite das lamentações e dos graves. O som, carregando ameaças de terror, tem a textura do veludo de tapeçarias violáceas de palácios em ruínas. Digamos, por comparação, que “Aion” era mais luminoso enquanto “Into the Labirynth” é pesaroso. O sonho-casulo dos amantes de Bosch, em “Aion”, deu lugar ao pesadelo e a torturas de alma mais dolorosas. Tudo é nocturno nas música dos Dead Can Dance. Um jardim de estátuas funerárias iluminadas pelo luar. Há, sem dúvida, beleza na “antiquíssima noite” que Pessoa poetizou. Só que os Dead Can Dance não exploram a escuridão até ao fim. Estão com um pé lá e outro cá. E, pelo sim pelo não, põem a cabeça de fora e acenam com lanternas a fazer sinal de “podem avançar”. Principalmente quando Brendan Perry põe a dele (cabeça) de fora, as coisas dão para o torto. Em “The ubiquitous Mr. Lovegrove”, a voz perde-se nalguma ligeireza, vassala dos Japan de David Sylvian, e as reviravoltas rítmicas clamam em surdina pelos Simple Minds, de Jim Kerr, da época fria de “Empires and Dance”. Perry, por mais carradas de produção “atmosférica” que lhe atirem para cima, mostra que é um fraco vocalista, afectado por sintomas de anemia e preocupantes sinais de rouquidão, em “Tell me about the forest”. Não chega para interromper o gozo que dá aventurarmo-nos pelas sombras sabendo de antemão que é tudo a fingir e recortado em plástico e papelão. A catedral dos Dead Can Dance, sabemo-lo, é falsa. Espreita-se para trás do cenário e das maquetas e vê-se que as velas são de luz artificial, os fantasmas de papel e a profundidade não passa de um “trompe l’ oiel” eficaz. Mas, caramba, temos que reconhecer que, do lado de dentro, se nos quisermos e deixarmos enganar, como fazem as crianças que conversam com os bonecos e se assustam no quarto dos brinquedos, a ilusão é perfeita. Não é a ilusão, afinal, a essência do próprio labirinto? (7)
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