12/06/2009

The Doors - The Doors Box Set

Sons

28 de Novembro 1997

A última mordidela do Rei Lagarto

The Doors
The Doors Box Set (9)

4 x CD, Elektra, distri. Warner Music

Uma caixa cheia de pólvora, de beijos envenenados. Uma caixa cheia de América, cheia de incêndios. Uma caixa que faz travar o tempo, celebrando uma vez mais a cerimónia do lagarto, num ritual inextinguível. “The Doors Box Set” é a peça que faltava na discografia do grupo liderado por Jim Morrison com a sua loucura. “Cuidado, é mais um passo para o interior, através da porta”, avisa Michael Ventura no seu texto de apresentação: “A Little game called Go Insane” (“um pequeno jogo chamado ‘torna-te louco’”).
Vamos por partes. Os compactos numerados com os números um e três, respectivamente intitulados “Without a Safety Net” e “The Future ain’t what it Used to be”, contêm gravações ao vivo, “demos” e versões alternativas. Cada tema é acompanhado, no livro de textos, de informação fornecida pelos três elementos vivos do grupo, Ray Manzarek, Robby Krieger e John Densmore. Se algum do material ao vivo sofre de alguma qualidade em termos de captação de som (ruído de fundo, por exemplo), já os temas gravados em estúdio permitem curiosas comparações com os originais, quando não se tratam de inéditos. Ao vivo, destaque para a versão endemoninhada de “The soft parade”.
Inéditos são “Who scared you” (este um semioriginal inspirado na troca de correspondência entre William Burroughs e Allen Ginsberg, sobre os efeitos do alucinogénico “Ayahuasca”, originalmente composto para “The Soft Parade”, mas que só veio a aparecer na compilação “Wird Scenes inside the Gold Mine”) e “Rock is dead” (das sessões de “Morrison Hotel”), ambos registados nos estúdios Elektra em 1969, “Whisky, mystics and men” e “Orange county suite” (estúdio, 1970, colagem da voz e do piano de Jim Morrison com posterior acompanhamento instrumental pelos restantes Doors), o “Adagio in G minor”, de Albinoni (estúdio, 1968), “Hello to the cities” (ao vivo, 1967 e 1970), “Black train song”, “I will never be untrue”, “Rock me” (de Muddy Waters, os “blues”) e “Money” (de John Lee Hooker, mais “blues”), “Someday soon”, “Mental floss”, “Adolph Hitler” (ao vivo, 1970), “Go insane” (demo, 1965) e “Tightrope ride” (ao vivo, 1971). O álbum número dois recolhe registos ao vivo do mítico espectáculo realizado no Madison Square Garden, de Nova Iorque, em 1970, incluindo uma versão de “Gloria” de Van Morrison. Finalmente, o quarto e último compacto do pacote inclui selecções de temas favoritos de Manzarek, Krieger e Densmore, constituindo uma espécie de “best of” onde se incluem praticamente todos os temas mais conhecidos dos Doors, como “Light my fire”, “L.A. woman”, “Shaman’s blues”, “Love me two times”, “When the music’s over”, “The unknown soldier” e “Riders on the storm”, entre outros.
No capítulo dos “demos” e versões alternativas, encontramos no primeiro compacto o lado mais introspectivo dos Doors, em “Hyacinth house”, “End of the night” e numa incontornável versão de “Queen of the highway”. No terceiro, temos “Go insane”, um “ragtime” obsessivo e martelado do piano de Manzarek, sobre o qual o “rei lagarto” procede a mais um dos seus exorcismos, “Summer’s almost gone”, uma balada de despedida, antecipada de dois anos, do Verão de 1967, com um Jim Morrison na sua veia mais pungente, e o clássico “Hello I love you”, numa versão mais condensada e “bluesy” do que o original contido no álbum “Waiting for the Sun”.
“The Box Set” é, pois, o derradeiro ritual de catarse de uma banda e de um homem soprados pela transcendência. A filosofia do poder, de Nietzsche, e a deusa indiana da destruição transformadora, Shiva, confundem-se nessa estrela cadente que foi Jim Morrison, um dos últimos “xamãs” do século XX.

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