01/06/2009

"Já há música que chegue para os mais novos" [Kate St.John]

Sons

31 de Outubro 1997

Kate St. John fala do seu novo álbum

“Já há música que chegue para os mais novos”

Romântica e poética. Assim se poderá definir a personalidade e a música de Kate St. John, cujo último álbum, “Second Sight”, acaba de ser editado. Com as marcas da canção francesa e de assuntos difíceis de enfrentar, como a morte, e onde a poesia é encarada como forma de redenção.

Requisitada com assiduidade para participar em sessões de estúdio dos mais diversos artistas, Kate St. John recolhe-se nos seus discos a solo numa música mais intimista, onde se descortinam fortes traços de romantismo e melancolia. A antiga cantora dos Dream Academy prepara actualmente um álbum de homenagem a Nick Drake.

PÚBLICO – “Second Sight” conta com a presença de Roger Eno, com quem já colaborara em “The Familiar”. Quando é que o conheceu?
KATE ST. JOHN – No início dos anos 90, através de um amigo comum, americano, da editora de discos. Eno andava à procura de uma cantora para “The Familiar”. Demo-nos bem e acabei por escrever as letras para o disco. Nunca tinha ouvido antes a música dele, depois percebi imediatamente que tínhamos muito em comum. Mas as melodias de “The Familiar” não eram bem canções, por isso a voz foi usada mais como instrumento. Não era a clássica sequência “verso-refrão-verso”, embora tivesse palavras.
P. – O que tem, exactamente, em comum com Roger Eno?
R. – Bem… Gostamos ambos de música bastante romântica, assim como nos interessa fazer arranjos dentro de um estilo neoclássico, em vez de uma música mais ruidosa. É como se seguíssemos os dois num ritmo sincronizado.
P. – O ambiente geral da música que ambos fazem pode definir-se como impressionista?
R. – Sim, sem dúvida. Ele prefere que a voz seja calma, de maneira a misturar-se com o resto da música. Não se trata de um cantor com uma banda por trás.
P. – Na vida real é assim tão calma e romântica como aparenta ser nos discos?
R. – Não [risos]! Bem, na verdade sou uma pessoa calma, mas também tenho um lado mais gregário. Tenciono mostrar no próximo álbum outros aspectos da minha personalidade. Algumas pessoas acham que os temas de “Second Sight” já não são tão deprimentes e sombrios como costumavam ser. Penso que estou a mudar.
P. – “Second Sight” é uma viagem (“trip”) por várias paragens e ambientes do planeta...
R. – “Yeah”, meu [risos]!
P. – Não nos referíamos a esse tipo de viagens…
R. – Ah, bom, não tenho nada a ver com drogas. Mas, sim, o álbum é como uma viagem, uma viagem imaginária.
P. – O que não a impediu de trabalhar com Julian Cope, a maior “acid head” dos dias de hoje...
R. – É verdade, mas isso já aconteceu há muito tempo. Não sei se temos algo em comum, somos amigos e ele pareceu gostar daquilo que fiz no álbum dele. Ah, sim, gostamos os dois de música dos anos 60!
P. – Trabalhou em “Second Sight” com uma série de artistas estrangeiros – franceses e russos...
R. – Sim, tenho a tendência para me relacionar melhor com pessoas que vivem fora de Inglaterra. Regra geral, no resto da Europa existe uma mentalidade mais aberta. Em relação aos músicos russos que participam no álbum, os Aquarium, de Boris Grebinshikov, já tinha produzido dois álbuns deles. Foram eles que fizeram questão de entrar no meu disco. A voz de Boris é simplesmente fantástica. Gravámos uma faixa em Londres, durante uma tarde. A França surge devido ao facto de o meu co-produtor ser francês e de eu gostar bastante de trabalhar com músicos de estúdio franceses.
P. – Quando canta, em francês, “J’attendrais”, é difícil não pensar em Edith Piaf. Até que ponto foi influenciada pela chamada “chanson française”?
R. – Acha? Sim, de facto adoro todos esses velhos cantores franceses, não só Edith Piaf, mas também Juliette Gréco ou Lucienne Boyer; é um dos meus estilos de música favorito. Teria gostado imenso de fazer um álbum inteiro só de canções francesas, mas tive que me conter e gravar apenas essa, um “standard” que toda a gente em França conhece.
P. – Joseph Racaille, também francês, é outra presença importante no disco. Ele veio dos ZNR, ao lado de Hector Zazou e...
R. – Ah, conhece a sua música? Ele tem um álbum novo, fantástico, na WEA, onde eu também participo, a tocar saxofone e a cantar. Infelizmente, para já, só está disponível em França.
P. – Outro nome que nos vem à mente é o de Virginia Astley. Voltou a tocar com ela depois do projecto Ravishing Beauties?
R. – Depois disso só fiz com ela um par de temas para o seu novo álbum, que apenas foi editado no Japão. Não a convidei para participar neste meu novo álbum, porque o tinha feito no anterior e porque gosto de mudar.
P. – Já trabalhou com uma quantidade enorme de pessoas, de Julian Cope, como já se falou, aos Blur, Everything But the Girl, Kirsty McColl ou Van Morrison... Sente-se à vontade a tocar com tanta gente diferente?
R. – Na maior parte das vezes, trata-se unicamente de sessões de estúdio. Entro lá numa tarde, toco uma ou duas canções e já está, adeusinho, acabou! É a minha profissão. Andei anos a estudar e a praticar saxofone e agora as pessoas pedem-me para tocar com elas.
P. – Não é um instrumento que seja muito vulgar ver tocado por mulheres, pois não? Já agora, tem alguma ligação com o jazz?
R. – Não, na verdade não é!... Mas gosto e tenho o hábito de ouvir jazz. Tento mesmo aprender a tocar jazz. Penso, aliás, que o meu próximo álbum será mais “jazzy”, com mais ritmo.
P. – Sabemos que está actualmente envolvida num projecto de produção de um álbum de homenagem a Nick Drake. Pode adiantar-nos alguma coisa sobre ele?
R. – É uma co-produção com Joe Boyd, que foi quem descobriu e produziu os álbuns originais de Nick Drake. Há alguns anos atrás começou a gravar algumas versões de temas de Nick Drake, na América, mas depois parou e o projecto ficou na gaveta. Até que, recentemente, resolveu recomeçar e pediu-me para ser eu a co-produtora. Nesta altura estamos a contactar diversos artistas, para participarem no disco, como Kate Bush, Brian Kennedy ou Paul Buchanan, dos Blue Nile e, talvez, Paul Weller, não sabemos ainda. Contamos que o álbum saia por altura do Ano Novo.
P. – Numa altura em que muitas intérpretes femininas se voltam para o hip-hop e para a música de dança, você permanece fiel a uma linha musical bastante recatada. Gosta assim tanto de se manter afastada do resto do mundo?
R. – Faço discos apenas para meu próprio prazer. É por isso que estou numa pequena editora independente que pode não vender muitos discos, mas me deixa fazer aquilo que eu quero. Não estou interessada em fazer algo que me desagrade do ponto de vista musical. No meu caso, a vida de músico é dura – pouco dinheiro e muito trabalho. Se não tivesse uma recompensa, uma satisfação estritamente musical, não faria qualquer sentido continuar. Já não tenho 20 anos, mas 40, e gosto de fazer música para pessoas mais velhas. Porque é que não se há-de fazer música para toda a gente, em vez de só para os jovens? Já há música que chegue para os mais novos. Então e os outros, não têm direito a outra música? Então e eu, não tenho esse direito [risos]?
P. – O que procura fazer chegar às pessoas, o que gostaria que elas sentissem ao ouvir a sua música?
R. – Alguns dos temas das minhas canções são bastante tristes, como a morte de pessoas, assuntos difíceis de encarar, mas com os quais toda a gente tem de viver. Escrever sobre esses temas, de uma forma poética, ajuda-me a lidar com eles. Trata-se, no fundo, de poder encará-la sob uma perspectiva menos terrífica. Vi há alguns dias escrito num jornal que a poesia pode ajudar a recuperar os doentes de cancro. Em vez de se sentirem aterrorizados, a pensar em suicídio, na doença do seu corpo, que vão morrer, concentram-se na beleza. Mesmo que seja na forma da tragédia.

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