Pop
A
DISCOTECA
A BELEZA DA NOVA GEOGRAFIA
Ryuichi é um dos inventores da “World Music”, versão nipónica. Ou seja, filtrada pela tecnologia mais sofisticada. Não são só baleias e Amazónia. As luzinhas e os dígitos também contam. Para ele o mundo não tem fronteiras. Como em “Beauty”, o seu disco mais recente.
Os japoneses adoram
fabricar marionetas que funcionam a eletricidade. Entre as quais umas que têm a
ver com música. Os europeus chamam-lhes eufemisticamente “aparelhagens”.
Gira-discos, gravadores, leitores de CD – esse tipo de coisas. Reprodutores de
som. A certa altura pensaram que, além de reproduzir, também podiam
perfeitamente construir máquinas que produzissem som: sintetizadores, samplers, com muitas luzinhas
e tecnologia digital.
Magia Amarela
Os Yellow Magic Orchestra eram um
trio de jovens fanáticos da eletrónica: Yuki Takahashi, Haruomi Hosono e
Ryuichi Sakamoto. Sakamo rapidamente se revelou o mais apto, seguindo os
mecanismos naturais da seleção das espécies, dando desde logo início a uma
carreira a solo paralela à dos YMO.
Os Yellow Magic gravaram ao todo
nove álbuns, alguns deles de edição japonesa exclusiva e por isso de mais
difícil acesso. Os dois primeiros, “Yellow Magic Orchestra” (78) e “Multiplies”
(79) são brilhantes exercícios de technopop temperada pela tradicional
elegância nipónica. Tiveram honras de edição nacional. “Public Pressure”,
“BGM”, “Solid State Survivor” e “Technodelic” são menos pop e mais
experimentais, este último uma lição exemplar na arte do “sampling” e das
manipulações eletrónicas. “Naughty” (83) é cantado exclusivamente em japonês.
“Service” e “After Service” (ao vivo) são os derradeiros testemunhos de uma
banda que nunca obteve, fora de portas, o êxito que logrou alcançar no seu país
de origem.
Cidadão do Mundo
Ryuichi Sakamoto, pelo contrário, é
hoje um cidadão do mundo, com o duplo privilégio de imprimir às suas obras uma
marca de inconfundível qualidade e ainda por cima conseguir vende-las.
Apreciador de Coltrane, Jobim, Cage, Beatles, Debussy e Satie, enveredou
incialmente por vias próximas dos YMO. “The 1000 Knives Of Ryuichi Sakamoto”
(78) revela-nos um exímio operador de computador e um pianista apostado em
transformar o fraseado satiano em pirotecnia à Rick Wakeman. “B2-Unit” (80, com
alguns temas misturados pelo mestre do “dub”, Dennis Bovell) e “Left Handed
Dream” (81) ostentam já os germes de posterior atitude – de mistura e síntese
de géneros e culturas musicais diferentes, servidos por uma abordagem mais
comercial. “Illustrated Musical Encyclopedia” (“Ongaku Zukan”, na edição
original japonesa) e “Esperanto”, de meados da década, continuam por esta via,
o primeiro incluindo um tema de parceria com Thomas Dolby, “Field Work”, o
segundo comissionado para uma coreografia da nova-iorquina Molissa Fenley.
Segundo Sakamoto, “não existe nenhuma cultura pura no mundo. Todas se misturam
e influenciam mutuamente. O Bali fica ao lado de Nova Iorque e logo a seguir é
Tóquio, ou talvez Hamburgo... Temos de ter esta espécie de mapa diferente na
cabeça”.
“Neo Geo” é bem o manifesto musical
desta nova geografia, juntando a Ásia à Europa e à América. O disco é produzido
por Bill Laswell e o tema “Risky” cantado por Iggy Pop. A África é contudo o
continente onde por fim desagua a música do japonês. “Beauty”, gravado o ano
passado, rende-se incondicionalmente aos ritmos negros e à dança. A lista de
convidados é extensa e luxuosa: Youssou N’Dour, Arto Lindsay, Robert Wyatt,
Brian Wilson, Shankar ou Robbie Robertson são apenas alguns dos mais ilustres.
Para descobrir como é possível juntar, no mesmo disco, o mestre das
brasileiradas, Arto Lindsay, o neuro-depressivo Wyatt e o ex-Beach Boy Wilson é
preciso ouvi-lo.
Capitão Yonoi
Ryuichi também não descura a imagem.
Ou seja, é ator. Excelente o seu capitão Yonoi, em “Merry Christmas Mr.
Lawrence”, de Nagisa Oshima, ao lado de David Bowie, Tom Conti e Beat Takeshi.
Talvez menos em “The Last Emperor” de Bernardo Bertolucci. Compôs música para a
banda sonora de ambos e para o desenho animado “Kitten Story”. “Tokyo Melody” é
um documentário centrado exclusivamente sobre a sua figura. Ele próprio
realizou dois vídeos: “Adelic Penguins” e “Esperanto”.
Como homem dos sete ofícios que é,
produziu e tocou nos discos “Brilliant Trees” e “Hope In A Darkened Heart”,
respetivamente de David Sylvian e Virgina Astley. A colaboração com Sylvian
vem, aliás, já de longa data. Desde os tempos em que contribuiu com uma canção
sua para o álbum dos Japan, “Gentlemen Take Polaroids”, passando pelo já citado
“Merry Christmas”, em que Sylvian agradece e retribui interpretando “Forbidden
Colours”. O mundo, depois de “Beauty”, pertence a Ryuichi Sakamoto.
QUARTA-FEIRA,
13 JUNHO 1990 VIDEODISCOS
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