10/06/2025

João Peste & O Acidoxibordel - Groovy Noise - Dada Rock

 

Pop

 

PESTE NA CORDA BAMBA

 
JOÃO PESTE
GROOVY NOISE – DADA ROCK
Maxi, Ama Romanta



















           Não há dúvida que Peste gosta de arriscar e experimentar. Só que o experimentalismo é uma faca de dois gumes, podendo resultar em objetos esteticamente fascinantes, mas também em exercícios de pretensiosismo e de vazio. Digamos que neste seu novo disco, o músico, letrista e mentor da Ama Romanta vai de um extremo ao outro. No primeiro caso estão o segundo tema do lado A, “Cocaine, amigo” e, ligeiramente abaixo, “Clio software” que abre o segundo lado. O tema principal “Groovy noise” cumpre perfeitamente as funções que lhe foram destinadas – ser imediatamente atraente e acessível ao ouvido, sem ser vulgar e chamando a atenção para o resto das canções. É uma espécie de chamariz. O tema que em princípio fará vender o disco. O passo em falso é dado com o tema final – “Distante domingo (TL-2 Napoleon)”.

            Analisemos cada um mais detalhadamente e desde o princípio: “Groovy noise” é puro gozo, “Rádio fun fun” povoado de associações livres, “I want to be pop-a-lula in the tears of a clown” e alguns achados ao nível da produção que incluem um solo de guitarra de Jorge Ferraz (atualmente nos Santa Maria Gasolina Em Teu Ventre e inimigo declarado de Peste...) e uns toques de “scratch” da autoria de Rafael Toral. Basicamente é o velho rock ‘n’ roll coberto com a capa e o verniz modernistas.

“Cocaine, amigo” é muito boa (a canção, não a outra). Cantada em inglês, francês e português constrói a melodia a partir da música das palavras. Ambiência irreal e fonética, o cantor fazendo deslizar sonhadoramente a voz por entre os vapores inebriantes da irreal amiga e cantando “tous les mots sont des poèmes que se desfazem na minha [atenção, na ‘minha’ dele] mente”. Sucessão de imagens que, como nuvens, se desfazem ao ritmo flutuante dos ventos da imaginação. Neste tema Peste agradece a colaboração especial dos Sonic Youth, Jimi Hendrix, Butthole Surfers, Led Zeppelin, Kurt Schwitters, Almada Negreiros, Wyndham Lewis, Jean Cocteau e Pablo Neruda. Fica sempre bem um pouco de exibicionismo cultural...

            “Clio software” é outra alucinação sonora e João Peste revela-se um autêntico psicadélico. A letra refere-se à pessoa amada cujo cérebro, quando ligado ao ecrã do televisor, faz Peste “delirar com as imagens escondidas na sua mente”. Imagens de “losangos e quadrados de cores” que, afirma, “nem sabiam que existiam”. É o que faz abusar!... Trata-se de uma canção cibernética (seja lá o que isso for) que fala de “Cristo abençoando um prédio cinzento”, Coca-Cola, néons e Nova Iorque, sobre um ritmo eletrónico decalcado dos Suicide e o cantor lembrando vagamente os trejeitos vocais de Philip Oakley, dos Human League. Destaque para a intervenção de Rodrigo Amado, no saxofone. Apesar dos “encostos” o tema funciona, conseguindo criar o ambiente “Blade Runner” pretendido.

            “Distante domingo” é que se torna perfeitamente dispensável. João deixa de ser Peste para querer ser Villaret e o resultado é lamentável. O texto é declamado e enfia no mesmo saco o espírito de Rimbaud, o computador central de Helsínquia, soldados castanhos e um jacinto vermelho. Loucura controlada? Nem por isso. O “poema” não tem a força que lhe permita dispensar o apoio musical, que aqui se apaga quase completamente, afundando-se as palavras na voz monocórdica e dolente do seu autor.

Sintetizando: o maxi está muitos furos acima da produção média nacional, reiterando o que já se sabia – ser João Peste uma das personagens mais invulgares e provocadoras do nosso meio musical, capaz do melhor e do pior. Neste caso de ambos.

 

QUARTA-FEIRA, 11 JULHO 1990 VIDEODISCOS

Sem comentários: