09/11/2008

Tradicional sim, mas ligeiro [Maio Moço]

Pop Rock

25 de Maio de 1994

TRADICIONAL SIM, MAS LIGEIRO

Vítor Reino é um homem com responsabilidades na música portuguesa de raiz tradicional. Fez parte dos Almanaque, passou pela Ronda dos Quatro Caminhos, onde deixou a sua marca nos dois melhores álbuns gravados até à data pela banda, “Ronda dos Quatro Caminhos” e “Cantigas do Sete Estrelo”, e integra desde há uns anos os Maio Moço. Além disso, conta ainda no seu currículo com trabalho feito no campo da investigação e recolha de material tradicional, tendo colaborado com o especialista de etnologia musical José Alberto Sardinha.
Por todos estes motivos espanta que este Vítor Reino seja o mesmo que nos dois últimos trabalhos dos Maio Moço, “Histórias de Portugal” e o recente “Amores Perfeitos”, se tenha deixado apanhar nas malhas do popularucho e de uma “folclorite” tomada no pior sentido do termo. Até porque estes mesmos Maio Moço gravaram em início de carreira dois bons álbuns, “Inda Canto, Inda Danço” e “Cantos de Marear”, à altura dos pergaminhos do passado.
Vítor Reino cansou-se: “Comecei a chegar à conclusão de que a música popular tinha um estatuto francamente baixo em Portugal. Ao contrário, por exemplo do que se passa na Irlanda, onde há revistas, livros, onde a sua música é assumida pelo povo, em Portugal não. A rádio não dava importância nenhuma. Isso determinou em mim um ideal que era criar uma espécie de música ligeira com base nas nossas raízes.” “Afinal algo semelhante ao que se passa no Brasil”, acrescenta Ana Rita Reino, desde há muitos anos mulher e acompanhante musical de Vítor Reino, na Ronda e nos Maio Moço.
Um dos aspectos curiosos, tanto de “Amores Perfeitos” como do anterior “Histórias de Portugal”, é o aspecto didáctico presente nas respectivas temáticas. No primeiro caso, como o título sugere, um resumo dos nossos feitos históricos ao longo dos oito séculos; no segundo, um breviário de alguns dos nossos escritores e poetas mais populares, tudo num tom da “Cartilha Maternal” de João de Deus, com os olhos postos nas camadas de público menos cultas e informadas. “Isso basicamente é por uma razão”, explica Vítor Reino. “Neste momento, existem em Portugal centenas de grupos de música popular e 90 por cento deles não sabem o que estão a fazer. Não têm preocupação nenhuma, não sabem tocar, sendo a música popular um excelente campo para se esconder a mediocridade de muita gente.” Os Maio Moço apenas quiseram fazer “de maneira diferente de todos esses grupos”.
Mas, e grupos como os Vai de Roda ou Toque de Caixa, para referir apenas dois que o próprio Reino aprecia, que não desistem de prosseguir num caminho pejado de escolhos, em nome da sua integridade artística? A resposta não podia ser mais clara: “São grupos que têm um papel cultural. Se houvesse em Portugal, a nível oficial, alguém que percebesse a sua importância, seriam grupos para ser subsidiados, porque não têm hipóteses de vender. Passam totalmente ao lado, porque o gosto das pessoas está, de facto, afastado desse tipo de sons.” Grupos que, “se calhar, encaram a música como um ‘hobby’”.
E Vítor Reino? “Para mim é mais do que um ‘hobby’, talvez seja isso.” Fica a promessa de mudança já no próximo álbum. “Um regresso às origens”, como garante Ana Rita Reino.

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