09/10/2014

Mafalda Arnauth - Esta Voz Que Me Atravessa



Y 27|ABRIL|2001
discos|escolhas

MAFALDA ARNAUTH
Esta Voz que me Atravessa
Ed. e distri. EMI-VC
8|10

Mafalda, a travessa

Para Mafalda Arnauth, memorável intérprete ao vivo de “Foi Deus” em mais do que uma ocasião, Amália foi a mestra e a figura de referência, mas enquanto o seu álbum homónimo de estreia denotava uma contenção que podia ser confundida com receio e um encosto a leituras mais ligeiras do fado, este segundo trabalho, com produção de Amélia Muge e José Martins, apresenta um território definitivamente aberto à emoção.
Além da conquista de uma maturidade no capítulo da composição que a autoriza a emparceirar, sem complexos, fados seus ao lado de clássicos como “Até logo meu amor”, de Alfredo Marceneiro, Mafalda Arnauth ganhou confiança nas palavras que canta, descobrindo nelas novas fontes para exercitar quer a alma quer a sua voz extraordinária. Uma voz que agora se volta menos para o espelho e mais para o sentido dos poemas, mudança que tem como principal consequência o alargamento dos próprios registos vocais que assim acompanham com outra agilidade a pluralidade de emoções desencadeada por textos de Hélia Correia, José Joaquim Carvalheiro, Amélia Muge ou da sua própria autoria.
As palavras escritas por Hélia Correia para o título-tema, de “Esta Voz que me Atravessa”, dizem muito sobre esta deslocação de atitude e redescoberta da música que a palavra poética contém: “Esta voz que me atravessa/Sem que eu queira, sem que eu peça/Não mora dentro de mim/Vive na sombra a meu lado/Dando ao meu fado outro fado/Que me faz cantar assim”.
Entre a universalidade dos arranjos (Stephan Micus gostaria das guitarras de “De não saber ser loucura”), uma inspirada apropriação de Fausto (“Lusitana”) e um tom mais popular que faria sorrir de agrado Amália (“Coisa assim”), “Esta Voz que me Atravessa”, depois de “Esta Coisa da Alma”, de Camané, e da emergência de fadistas ou cantoras de fado como Cristina Branco, Ana Sofia Varela ou Joana Amendoeira, confirma o período de ouro que o fado atualmente atravessa, pela voz e pelo empenhamento de uma nova geração que soube compreender e assimilar os ensinamentos da tradição.

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