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1|JUNHO|2001
escolhas|ao
vivo
bernd
friedmann
o baterista e o programador
Ambos
naturais de Colónia, um dos núcleos criativos da música alemã, do krautrock dos
anos 70 até às atuais correntes eletrónicas, Burnt Ou Bernd…) Friedmann e Jaki
Liebezeit, baterista dos Can, atuam juntos na Bienal da Maia, concretizando uma
ligação que faz toda a lógica, para além da origem geográfica comum.
Na música de Friedmann, também ele
inicialmente um baterista que transitou para a programação por uma questão de
“maior facilidade”, a componente rítmica assume importância primordial (regra
que um álbum como “Leisure Zones”, de 1996, totalmente ambiental e “grooveless”
desmente…), não sendo de espantar a presente conjunção com um dos bateristas
que mais longe levou uma conceção tribal do ritmo, Jaki Liebezeit, força motriz
dos Can, um dos grupos do krautrock original pelo qual Friedmann nunca escondeu
a sua admiração.
Desta colaboração entre a eletrónica
e o batuque será de esperar qualquer coisa como a atualização do transe dos Can
em moldes programáticos. Se pensarmos que nos autores de “Monster Movie”, “Tago
Mago”, “Ege Bamyasi” e “Future Days” o aleatório jogava a favor das longas
improvisações – em bruto ou trabalhadas à posteriori no estúdio –, mais sentido
faz esta aproximação entre os dois alemães, sabendo-se, além do mais, da
predileção que Friedmann nutre pelo acaso, enquanto fator ativo na criação.
À componente artesanal e
eletroétnica “avant la lettre” dos Can junta-se o gosto de Friedmann em
desfazer a distinção entre “acústico” e “eletrónico”, gesto permitido pelo
sampler. Eis o lado mais orgânico e visceral de duas músicas separadas
originariamente pelo tempo que, por fim, se reúnem na unidade de um idêntico
conceito.
A par da atual colaboração com o
baterista dos Can, com a qual faz uma reavaliação do lado mais telúrico e
“irracional” da sua música, Friedmann mantém estreitas relações com a
eletrónica, desdobrando-se por projetos como Nonplace Urban Field (nos álbuns
“Nuf Said” e “Raum fur Notizen”, entre
outros), Some More Crime (“Code Opera”), Drome (“Dromed”, “The Final
Colonization of the Unconscious”) e Flanger, esta última ao lado de Uwe Schmidt
(Atom Heart), cujo último trabalho, “Templates”, foi unanimemente aclamado pela
crítica.
Para Bernd Friedmann a estética
minimalista cultivada nos Flanger “não é muito diferente daquilo que um
baterista faz”, sem a samplagem “é uma imitação, mas uma simulação que em
última instância anula as diferenças que podem subsistir entre natural e
artificial”, como disse em entrevista ao PÚBLICO.
A diferença que separa um baterista
como Jaki Liebezeit de um programador “naturalista” como Friedmann esbate-se,
assim, numa música global que deriva de uma conceção do ritmo enquanto corpo
das emoções e dos instintos. Como era a dos Can. Como é, também, a de Bernd
Friedmann.
Friedmann lança uma imagem: “Quando
vou passear para uma floresta não o faço porque o sol está a brilhar, mas
porque quero desfrutar do sol e das suas sombras. As sombras vão mudando
constantemente e a luz vai sendo refletida por entre as árvores e é isso que me
atrai”.
Enamorado pelos contos dos irmãos
Grimm – “tenebrosos e aterrorizantes, que incutem uma falsa culpa às crianças”
–, editou entretanto o seu próprio manual romântico de rituais secretos e jogos
amorosos com as sombras, a que deu o nome de “Plays Love Songs”, um olhar
apontado às “relações pessoais” e aos “comportamentos sexuais” padronizados
segundo aquilo a que chama “red light issues”. Sexo e pornografia, romance e
isolamento. Sinais contraditórios que trata com crueza e uma boa dose de
ironia.
Sobre Jaki Liebezeit, 53 anos, a
história do rock já se pronunciou. Sem a sua batida, simultaneamente tribal e
metronómica, a música dos Can (e da sua banda, os Phantom Band) ter-se-ia
diluído no caos. Ele foi um dos bateristas que deu rosto humano à “motorika”,
ritmo militarista, repetitivo e monocórdico que caracterizou bandas do
krautrock como os Neu!, La Düsseldorf e Harmonia. Com Jaki Liebezeit o instinto
encontrou a segurança numa fórmula matemática.
Na primeira parte do concerto da
Maia, atuam os Pluramon, de Markus Schmickler, que na 5ª feira tocará a solo no
bar Aniki-Bobó, no Porto, estando o fecho da noite entregue ao djing de Georg
Odjik, da editora a-musik. Na linha mais vanguardista e eletrónica do pós-rock
alemão, os Pluramon editaram em 1998 o álbum “Render Bandits”, objeto de
revisitação, no ano passado, em “Bit Sand Riders”, com remisturas de Mogwai,
Hecker, Atom Heart, High Llamas, Lee Ranaldo, Matmos, SND, FX Randomiz e
Merzbow.
BERND FRIEDMANN E JAKI
LIEBEZEIT
MAIA |
Zona industrial, setor x, na antiga fábrica Fimai.
Às 22h. Bilhetes a 1000$00
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