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8|JUNHO|2001
música|reedição
É reeditada a trilogia clássica dos Neu!, de Dusseldorf. Do punk ao pós-rock, dos Sex Pistols a David Bowie e aos Stereolab, todos são devedores da motorika de Klaus Dinger. “Neu!”, “Neu!2” e “Neu!’75” aí estão para o provar.
motor de explosão
Neu!
“Novo!”, em alemão. Orgulhosamente exclamativo. Uma, duas, três vezes, a compor
uma das trilogias seminais da história do rock. Depois de anos de esbanjamento,
em edições piratas e de promessas não cumpridas pelo selo japonês Captain Trip,
“Neu!” (1972), “Neu!2” (1973) e “Neu!’75” tiveram agora finalmente honras de
reedição oficial, pela EMI. Não remasterizadas, mas com uma apresentação
condigna que reproduz na íntegra a estética proto-punk dos originais.
Os Neu! tiveram origem numa das
primeiras formações dos Kraftwerk, da qual fazia parte Klaus Dinger, tendo
Michael Rother mais tarde uma passagem fugaz pelo grupo. Dois temas que viriam
a aparecer no álbum de estreia dos Neu!, “Im gluck” e “Weissensee”, chegaram a
ser apresentados num programa de televisão alemã, em Agosto de 1971, mas em
nome dos Kraftwerk.
Porém, com o investimento a 100 por
cento – após um par de álbuns “industriais” – dos Kraftwerk na eletrónica,
Klaus e o seu irmão Thomas Dinger juntaram-se para fazer uma música
marcadamente rítmica que juntava o “groove” maquinal da motorika com um
romantismo wagneriano e elementos “noise” e da música concreta.
A edição de “Neu!”, em 1972,
explodiu como uma granada punk na kosmischemuzik. Mas se o tempo não era ainda
o da negação completa da música, os Neu! foram os primeiros a mostrar que
krautrock podia ser algo mais que um infinito e lisérgico passeio pelo cosmos.
Apresenta-se a seguir alguns dos termos do léxico Neu!
Motorika. A paprika do groove.
Surgiu como uma bomba, ou um motor de explosão, no seio do krautrock de
tendência cósmica. Batida metronómica, inflexível, marcial, preferencialmente
entregue a um baterista, embora a “ajuda” da eletrónica (em todo o caso a
utilização de uma caixa-de-ritmos seria uma vergonha!) seja, não desejável, mas
aceitável. Um atraso de meio tempo e o motor entra em “panne”. Tarefa
sobre-humana. Para se ser um bom baterista de motorika é preciso ter alma e,
sobretudo, braços de cyborg. Boas tripas e um curso de matemática. Os melhores
são Klaus Dinger e Jaki Liebezeit, dos Can. A motorika pode ser saboreada, além
dos três clássicos dos Neu!, nos La Düsseldorf (“La Düsseldorf”, “Viva!” e
“Individuellos”), nos Harmonia (“Muzik Von Harmonia” e “DeLuxe”), duas bandas
com a participação de Klaus Dinger, e em Michael Rother, companheiro de Dinger
nos Neu! (“Flammende Herzen”, “Sterntaler”), com a participação de Jaki
Liebezeit. Os Can eram demasiado étnicos e humanistas para poderem aderir à
motorika. Nos anos 90, a motorika trabalha, sem falhas, na fundação dos La!
Neu?. Por exemplo, em “Year of the Tiger”, 40 minutos de musculação rítmica, de
moer a paciência e hipnotizar os neurónios.
Düsseldorf. Situada na zona
industrial do vale do Reno, Düsseldorf foi o berço do ramo mais convulsivo e…
industrial, do krautrock. Além dos Neu! e, claro, dos La Düsseldorf, os
Kraftwerk, Ibliss, Annexus Quam, Der Plan, Rheingold e D.A.F. são outra das
bandas dos anos 70 e 80 oriundas desta cidade marcada por uma intensa atividade
noturna e pela influência da indústria da moda. Os Kreidler, os Tarwater e os
To Rococo Rot são alguns dos herdeiros desta cultura da máquina forrada a pele
humana.
Julian Cope. O ex-líder dos The
Teardrop Explodes e o mais mediático admirador do krautrock dedica um capítulo inteiro
(10 páginas) do seu livro “Krautrocksampler – One Head’s Guide to the Great
Kosmische Musik, 1968 onwards”, aos Neu!, sem contar com a análise crítica aos
três álbuns clássicos do grupo. Sobre o seu primeiro embate com a música dos
irmãos Dinger escreve: “Nunca tinha ouvido nada de tão diferente, antes, nem
voltei a ouvir, depois”. De “Neu!”, diz que “foi a impressão digital de uma
nova espécie de rock ‘n’ rol, sem passado nem futuro imediato”.
Discípulos. Com “Neu!”, álbum de
estreia de 1972, os Neu! anteciparam o punk em quatro anos. A batida furiosa, a
atitude e estética minimalistas abriram o livro na página do “Ur-punk” (o termo
pertence a Julian Cope) sem o qual os Sex Pistols jamais teriam podido arrancar
as suas folhas. “Never Mind the Bollocks – Here’s the Sex Pistols” é motorika
com um ataque de epilepsia, o caos em vez da disciplina. Os Public Image
afinaram o motor. David Bowie nunca escondeu o fascínio e a influência
determinante dos Neu! (sobretudo o álbum “Neu!’75”) na composição da sua
trilogia de Berlim (“Low”, “Heroes”, “Lodger”). Nos anos 80 os DAF vestiram a
farda erótico-fascizante derivada do lado mais marcial dos Neu!. O pós-rock
voltou a ligar a chave de ignição. Representantes diretos dos Neu!, os
Stereolab mimam-lhes o groove-motorika e os títulos das canções. Menos óbvias,
mas não menos fortes, até pela mesma proveniência geográfica (Colónia fica
mesmo ao lado), são as citações dos To Rococo Rot, Kreidler, Tarwater e Bernd
Friedmann. Nos EUA, os Trans AM e os Tortoise pescaram à linha na lagoa de óleo
dos Neu!. Mesmo o universo liofilizado dos “clicks & cuts” fez downloads de
programas de motorika computorizada (oh, heresia!), através de um projeto como
Scratch Pet Land.
La! Neu? Nos anos 90 os Neu!
ressuscitaram. Não tanto através da edição de um inútil “Neu!4”, que recupera
algum do lixo deitado fora nas sessões de estúdio dos anos 70, mas da criação
dos La! Neu? Com os La! Neu? Klaus Dinger a energia que se apagara nos anos 80,
jogando na ambiguidade e na ironia de um novo coletivo que juntava os dois
projetos principais a que esteve ligado, os Neu e os La Düsseldorf, colando as
respetivas siglas mas trocando o ponto de exclamação original dos Neu! por
outro de interrogação. Troca legítima na medida em que os La! Neu?, mais do que
um grupo estável, são uma espécie de fundação Dinger, na qual têm sido editados
álbuns da mulher, dos filhos, dos sobrinhos, dos amigos e dos cães, sempre sob
a sua supervisão. Entre exercícios de estilo e trabalhos de dispensável
auto-indulgência, vale a pena investigar os CDs de Rembrandt Lensink
(“Zeeland”) e dos Die With Dignity (“Kraut?”). Dos La! Neu?, grupo,
aconselham-se o primeiro, “Düsseldorf”, e “Year of the Tiger”.
Novos, sempre
É
impossível resistir à batida de “Hallogallo”, tema-ícone que abre “Neu!”, o
álbum que despejou alcatrão e penas para cima do krautrock. A “motorika” em
toda a sua glória, uma outra viatura, paralela à dos Kraftwerk, para acelerar
numa auto-estrada de Düsseldorf ou de Lisboa, ou para acompanhar como banda-sonora
um ritual sado-maso. Klaus Dinger e Michael Rother detinham a fórmula secreta
do groove minimal, mas também a dose certa de paisagismo noisy,
urbano-ambiental, que também se revolvia nas entranhas dos primeiros Cluster e
Kraftwerk. A música concreta gargareja sobre uma drone de metal em “Im gluck”,
raga industrial em contraponto aos mantras faraónicos dos Popol Vuh e
“Negativland” é o perfeito prefácio, em broca-pneumática, ao destroyer
Einsturzende Neubauten. A “Kosmichemuzik” vergava aos golpes dos Neu!,
paradoxalmente apresentados na edição inglesa do disco por Dave Brock, dos
Hawkwind, a mais cósmica das bandas cósmicas.
“Neu!2” repete o logotipo e o
lettering, agora com um enorme “2” pintado em spray fluorescente. “Fur immer”
(título retomado pelos D.A.F.) dispara de novo em “motorika”, levada ao extremo
da fúria em “Spitzenqalitat”, gigantesca tareia de rock eletrónico mesclada de
onirismo onde se descortinam traços dos White Noise. Quanto a “Lila Engel”,
serviu de ensinamento a Johnny Rotten. Mas é o segundo lado de “Neu!2” que a
história aponta como exemplo de ousadia, provocação e criatividade. Com apenas
metade do álbum gravado, o budget extinguira-se entretanto. Klaus Dinger não
hesitou, preenchendo todo o segundo lado com variações de temas antigos, entre
os quais o single “Super”, rodado a 16 ou a 78 rotações. “Hallo excentrico” é
“Fur immer” cuja fita foi travada no gravador pelas mãos de Michael Rother e do
engenheiro de som Conny Plank. Genial e hilariante.
Após um interregno de dois anos e o
projeto Harmonia pelo meio, os Neu! voltaram a reunir-se para gravar “Neu!’75”,
o mais aclamado dos seus álbuns e aquele que, em definitivo, os projetou como
percursores da new wave. Mais calmo e clássico que os seus antecessores,
“Neu!’75” deixa perceber facilmente, em temas como “Isi” e “See land”, a
influência disseminada pelos Harmonia, no balanço entre o calor dos
sintetizadores, o cristal da guitarra de Rother e a batida, menos furiosa e
mais ondulante, de Thomas Dinger, que tomara ao seu irmão o lugar de baterista.
“Leb wohl”, visão de piano e mar, guarda as sementes de Joachim Roedelius e
prenuncia o impacte que a música dos Neu! teria sobre Brian Eno. “Hero” e
“After eight” são novas lições de punk eletrónico aos Sex Pistols. Entre elas, “E-musik”,
ergue-se como o mais formidável reator de motorika psicadélica que o krautrock
alguma vez conheceu, suficiente para colocar “Neu!’75” na galeria das
obras-primas.
NEU!
Neu!
9|10
Neu!2
10|10
Neu!’75
10|10
EMI, distri. EMI - VC
Nota: Três correções
relativas ao texto sobre os Neu! na pág. 8: Afinal as reedições são mesmo
remasterizadas (diz nos próprios discos, em letras muito pequeninas…). A
editora é a Grönland, subsidiária da EMI. E “Neu!4” não é lixo dos anos 70 mas
dos anos 80…
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