02/10/2014

Transe americano [Trans AM]



Y 6|ABRIL|2001
ao vivo|escolhas

transe americano

Na primeira passagem dos Trans Am por Portugal, em Janeiro do ano passado, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, havia quem estivesse à espera de uma sessão de eletrónica servida em sintetizadores analógicos, com o rock a servir de muleta. As contas saíram furadas.
            Desta banda de Washington D.C. eram conhecidos álbuns como “Surrender to the Night” (juntamente com “Millions Now Living Will Never Die”, dos Tortoise, um dos clássicos da primeira geração do pós-rock), “The Surveillance” e “Future World”, exercícios de eletrónica de corrida, feita de sintetismos, vozes vocoderizadas e batidas kraftwerkianas. É verdade que as guitarras e a bateria estiveram presentes, mas nada fazia prever uma sessão tão punk como aquela que o trio ofereceu nessa noite na ZDB, uma das muitas de suor, apertos e pouca visibilidade.
            Desta vez já se vai avisado, pensarão vocês. Leva-se o blusão de cabedal, os “piercings” e as matracas. Alto aí! Não se precipitem e vão lá mudar o vestuário, porque os Trans Am têm em carteira uma coisa diferente. Em primeiro lugar, a sala é o Café Luso. Fica também no Bairro Alto, em Lisboa, mas o ambiente e a decoração prestam-se a outro tipo de “performances”. Que não incluem matracas. Foi no Café Luso, no ano passado, que Felix Kubin rubricou uma atuação memorável que juntou kitsch, teatro, humor e futurismo. E se é certo que os Trans Am não são propriamente adeptos do “camp” e da eletrónica circense típicos do excêntrico alemão, a verdade é que a noite poderá ser de novo – como dá a entender a organização, a Major Eléctrico, do capítulo 6 da saga de eventos alternativos com a designação Blaast – de surpresas e acontecimentos extraprograma.
            Ao contrário do rock, das guitarras e do fumo que intoxicaram a noite na ZDB, a música dos Trans Am será, no domingo, inteiramente preenchida pela eletrónica. Em transe. E em trânsito, já que está prevista a interação com a segunda banda em cartaz, os Iso68, uma das novidades mais refrescantes que o ano 2000 ofereceu em matéria de “eletrónica suave” com origem na Alemanha, através do álbum “Mizoknek”. Interessante será presenciar a forma como esta interação se processará, tendo em que conta que os Trans Am são, apesar de tudo, guerrilheiros, como o atesta o seu último álbum, “Red Line”, e os Iso68 uma agremiação ambiental/minimalista com férias pagas nas praias paradisíacas do “easy listening”. Faísca ou diluição, algo de incomum acontecerá de certeza.
            Os Trans Am formaram-se em 1992 em Washington D.C., com Philip Manley (guitarras e teclados), Nathan Means (baixo e teclados) e Sebastian Thompson (bateria e percussão). Influenciados por bandas rock como os Van Halen e ZZ Top (embora não descurassem a audição das metalurgias Chrome, Suicide ou Throbbing Gristle…), retiveram destas a energia, canalizada em formato “power trio”, ao mesmo tempo que aprenderam com os Kraftwerk a melhor forma de pôr a funcionar em regime de “groove” automático os sintetizadores.
            Não os confundam, todavia, com uma vulgar banda de electropop, apesar de na sua música ser possível detetar resíduos dos Human League ou dos Tubeway Army. Os Trans Am serão eletrónicos, serão mesmo pop, mas têm uma consciência política. “The Surveillance” era uma metáfora sobre a era da comunicação global e a paranoia urbana, através do olhar totalitário do “big brother” americano, e “Future World” (síntese de “Future Days” dos Can e “Computer World” dos Kraftwerk), uma panorâmica do vazio contemporâneo desenhado nos pixels de um ecrã de computador. O novo “Red Line” é o olho vermelho da vingança.
            Como vão os Iso68 – Thomas Leboeg e Florian Zimmer – reagir ao furacão, eis a incógnita que será interessante ver desvendada no Café Luso. Nos Iso68 não existe sociologia – não, não é nenhuma menção subliminar ao Maio de 68 – nem o mínimo vestígio de rock’n’roll. A sua música tem a consistência de um aspersor de jardim, com um microscópio auditivo afixado ao interior de cada gota.

TRANS AM E ISO68

LISBOA| Café Luso (Travessa da Queimada)
dom., 8, às 22h. Tel. 213422281. Bilhetes a 2000$oo

COIMBRA| Jardins da Associação Académica
ter., 10, às 22h. Bilhetes a 1000$oo
Os ISO68 não atuam nesta data.

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