Y
4|MAIO|2001
ao
vivo|escolhas
parque
de diversões eletrónicas
Brincar
ou não brincar, eis a questão que nos últimos anos tem sido colocada no
contexto da eletrónica alemã. “Funny electronics”, o “Fun, fun, fun” que os
Kraftwerk transformaram em 1974 em “Wahn, wahn, wahn” no álbum “Autobahn”, foi
a etiqueta “Toy ‘R’ Us” com que se designou uma música que recuperou para as
máquinas o sentido de humor. Os Kreidler, como os To Rococo Rot, Tarwater,
Schlammpeitziger, Mouse on Mars, Schneider TM e B. Fleischmann, fazem parte
desse contingente que transformou os circuitos eletrónicos em rocas de
“kindergärten” (jardim infantil).
“Autobahn” dos Kraftwerk foi, de
resto, com “Zuckerzeit”, dos Cluster, um dos primeiros álbuns de eletrónica com
origem na Alemanha a introduzir este conceito de diversão numa música que
radicava no estruturalismo de compositores como Stockhausen ou no
auto-convencimento do rock progressivo inglês de tendência eletrónica,
nomeadamente os Pink Floyd, ou projetos mais radicais como Tonto’s Expanding
Head Band e Zygoat. A exceção pioneira era “An Electric Storm” (1969), dos
White Noise, mas quem os conhecia? É verdade que nos EUA Raymond Scott já
publicara nos anos 60 o compêndio de anedotas eletrónicas para o século
vindouro, mas isso é outra história, só mais tarde conhecida…
Passado um quarto de século sobre a
extinção da primeira vaga do “krautrock”, e com a transição dessa eletrónica
“bonne vivante” assegurada nos anos 80 por Kurt Dahlke (Pyrolator), Der Plan e
Holger Hiller, a Alemanha redescobriu na década seguinte o prazer, entretanto
desbarato pela “cold wave” e pela música industrial, da manipulação dos
sintetizadores e a assunção clara da melodia em estreita colaboração com o
groove.
Esta apropriação só foi possível
graças não só à revalorização do krautrock pelas novas gerações, como também
pela reutilização dos sintetizadores analógicos. Não é possível brincar-se com
um “powerbook” ou com um programa de composição. Possível é, mas não tem graça…
o computador é uma máquina fria. Quem assistiu a alguma das atuações que Felix
Kubin deu em Portugal, perceberá que o “show” circense que ofereceu, só é
possível através do gesto de tocar, da relação direta com as teclas, os botões
e os cabos de interligação de relíquias como os sintetizadores Moog, Korg ou
A.R.P.
Andreas Reihse, teclista dos
Kreidler, confessava, ao PÚBLICO, a sua admiração, além dos Kraftwerk, Can,
Neu!, La Düsseldorf, Cluster, Harmonia e Michael Rother, por Pyrolator, que
produziu o seu 12 polegadas, “Fechterin”. E sob a designação Deux Baleines os
Kreidler gravaram nos próprios estúdios Atatak, sede da eletrónica “de sorrisos
nos lábios” alemã dos anos 80. Nessa entrevista, manifestava ainda a sua
antipatia pelos samplers (“barulhentos”, “sujos”) e a vontade de “exprimir
sentimentos como a saudade” através de “sons e melodias o mais puros possível”.
Pureza e simplicidade apenas ao alcance das crianças, que continuam a tornar
emocionalmente irresistível a música dos Kreidler, em álbuns como “Weekend” e
“Appearance and the Park”, mesmo se no mais recente, “Kreidler”, a saída de
Stefan Schneider tenha determinado uma aproximação às correntes ambientais da
música de dança. Mas o “chill out” dos Kreidler continua tão carregado de
doçura, humor e mistério como dantes.
KREIDLER
PORTO| Aniki-Bobó
Tel. 22 3324619. Sábado, 5, às 24h.
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