12/10/2014

Sexo: opção máquina [Von Magnet]



Y 11|MAIO|2001
escolhas|ao vivo

Sexo: opção máquina

Sexo surrealista? O manual foi apresentado pelos Von Magnet em 1998, num álbum intitulado precisamente “El Sexo Sur-Realista”, considerado hoje um clássico do eletro-flamenco. Não se vislumbram mais praticantes deste género que combina a sensualidade das danças do Sul da Andaluzia com a eletricidade das máquinas. Os Von Magnet estão, neste aspeto, sós. Isolados na visão de um mundo concetualizado pelo cérebro e animado por pulsões sexuais tão incrustadas na carne como deslocadas do seu sentido primordial.
            Embora sejam associados aos “industriais” Young Gods, Test Dept, Cassandra Complex, In the Nursery ou Psychic TV, a forma como a sua música funde os elementos étnicos e rituais com a eletrónica de pendor hipnótico estará mais próxima de uns Controlled Bleeding e, sobretudo, dos Delerium, extensão eletro-tribal minimalista da “electronic body music” dos Front Line Assembly.
            A música dos Von Magnet traduz os paradoxos, as inquietações e as fobias do homem moderno. A carne e o espírito, as tradições étnicas e a sociedade da comunicação eletrónica, transe e informação, suor e magnetismo, magia sexualis e matemática aplicada, rituais arcaicos e programações digitais dilaceram-se num novo tribalismo para o novo milénio neste coletivo formado em 1985 pelo catalão Phil Von, que já atuou em Portugal, num castelo de Montemor-o-Velho, durante o festival Citemor 92. Nove anos volvidos, regressam a Portugal, por iniciativa da Alcateia Plásmica, para um espetáculo multimédia com projeção de vídeos e a presença em palco de Phil Von (dança, voz), Flore Magnet (voz, cenografia), Mimetic (percussão, eletrónica), Sigmoon (instrumentos étnicos) e Nikho (misturas).
            Indissociável da sua música, a performance que rodeia cada espetáculo dos Von Magnet permite traçar um paralelo com os La Fura Dels Baus. Como as “ratazanas dos esgotos” da Catalunha, os Von Magnet aliam à música, predominantemente eletrónica, a dança, o teatro, o circo, a tecnologia e um elemento de pânico que torna cada espetáculo numa experiência inolvidável. Não são a mesma coisa, os discos e as apresentações ao vivo. “Cuidado: não estão somente a escutá-los!”, explicam no booklet de “El Sexo Sur-Realista”. Fica o aviso… A arte total – e cruel – que emanava deste álbum que materializava a simbiose do humano com a máquina estabeleceu para o grupo um estatuto de culto e uma aura de esoterismo.
            Um ano depois, e após colaborações com os Greater Than One e Neil Starr (dos Test Dept), renovam a sua formação que passa a contar com 14 elementos, destacando-se Jerome Soudan (Mimetic) nas percussões e eletrónica. Um novo álbum, “Computador”, aprofunda a temática favorita: a ligação da Natureza com a tecnologia, dirigida para a criação de um novo ser humano, mutante cibernético, o “corpo elétrico” que Ray Bradbury profetizou, detentor de uma alma gentil, e os Human League esticaram em betão até às alturas nietzscheianas do seu “empire state human”.
            “Flamenco Mutants”, de 1992, reforça a vertente telúrica e xamânica da música e “La Centrale Magnetique” recupera ao vivo alguns dos cenários apocalípticos dos discos anteriores. “El Grito” (1993) e “Cosmogonia” (1995) são explorações divergentes do organismo Von Magnet. O primeiro é um reflexo das apropriações étnicas, e não só (“estejam à vontade para nos samplar, nós já vos samplámos a vocês!” é uma das máximas do grupo…), a que desde sempre os Von Magnet recorreram; o segundo faz circular com redobrada intensidade a corrente elétrica e a mensagem das máquinas, através de versões de bandas como os Lassigue Bendthaus (Atom Heart, numa das suas manifestações prévias) e Bourbonese Qualk. Seguem-se, em 1996, as edições de “Mezclador” e da coletânea “Nuevas Cruzes”.
            Finalmente, no ano passado, surge “El Planeta”, álbum sobre a esquizofrenia planetária e a necessidade de novas vias de comunicação para o seu humano, com base no instinto. O som de um violino, réstia de humanismo a pairar sobre as ruínas, sobrevoa paisagens de um mundo auto-regulado em circuito fechado pelas ondas do córtex. Música eletrónica sombria, plasma de sonhos, erotismo de carne vazia. O sexo surrealista dos Von Magnet é, afinal, o do corpo com os órgãos fora do lugar (como os da capa do CD) e um programa de ilusão. Posto a correr eternamente em “repeat”.

VON MAGNET (1ª PARTE: ZZZZZZZZZZZZZZZZZP!)
LISBOA| Caixa Económica Operária, R. da Voz do Operário, à Graça.
Sexta, 11. Às 21h30.
Tel. 218862836. Bilhetes a 2000$00

Sem comentários: