24/02/2020

Gostaria que os meus temas se tornassem 'standards' algum dia [Kenny Garrett]


CULTURA
QUINTA-FEIRA, 8 JULHO 2004

Gostaria que os meus temas se tornassem ‘standards’ algum dia

Tocou com Miles Davis, fala japonês, joga golfe e ambiciona criar os seus próprios “standards”. É assim Kenny Garrett, saxofonista alto que ontem tocou no Estoril Jazz.

Energia e capacidade de improvisação caracterizam o estilo do saxofonista alto e soprano, Kenny Garrett, que ontem atuou no Estoril Jazz (hoje é a noite para se ouvir outro notável, Branford Marsalis), com o seu quarteto. “Standard of Language”, o seu mais recente álbum, é um bom exemplo da versatilidade deste músico que tocou na última formação de Miles Davis e cuja ambição é compor “standards” contemporâneos.
            Kenny Garrett fez a sua aprendizagem na orquestra de Duke Ellington e, além de Miles, com quem esteve nas derradeiras formações deste trompetista, tocou com Woody Shaw, Freddie Hubbard, Bobby Hutcherson, Art Blakey, e nas “big bands” de Mel Lewis e Frank Foster. Em 1984 gravou para a editora Criss Cross o seu primeiro álbum como líder, “Introducing Kenny Garrett”. Desde então a sua discografia atingiu já várias dezenas de títulos, incluindo os mais recentes “Happy People” e “Standard of Language”, este último um dos grandes álbuns editados em 2003. A sonoridade forte e o modo como “ataca” o seu saxofone alto fizeram com que o comparassem a Jackie McLean e Cannonball Adderley, mas a verdade é que a energia que a sua música transporta está longe de ser “standartizada” e deriva de uma diversidade de estilos na qual o talento para a improvisação joga um papel determinante. O PÚBLICO manteve com ele uma breve conversa antes do “check sound” do concerto.
            PÚBLICO — Na sua banda explora diversos estilos, do “be-bop” ao “free”. Não é difícil manter a unidade?
            KENNY GARRETT — É a minha identidade. As pessoas reconhecem-me. Toquei com Miles Davis, Woody Shaw, Art Blakey, Sting e Peter Gabriel e mantive-me sempre igual a mim próprio.
            Que tipo de experiência teve quando tocou com Miles Davis?
            Miles deu-me a hipótese de executar solos de dez minutos. Era meu amigo. Costumávamos andar por aí. Eu ia a casa dele para conversarmos sobre música ou sobre a vida.
            Recebeu alguma herança musical dele?
            Nem por isso, não sinto qualquer tipo de obrigação. Digamos que todas as experiências que tive com outros músicos serviram para moldar a minha personalidade. A música que vamos ouvir hoje [ontem] é a música de que gosto embora seja possível reconhecer influências como Miles, John Coltrane ou a música popular.
            Num dos seus álbuns mais recentes, “Happy People”, há sonoridades orientais…
            Sim, há um tema japonês e outro coreano. Falo um pouco de japonês e estou a aprender coreano. Neste processo de aprendizagem de uma língua acaba por se ficar a conhecer a respetiva cultura.
            Outro tema é dedicado ao golfista Tiger Woods. Pratica golfe?
            (risos) “Hole in one”, sim, dedicado a Tiger Woods e a Woody Shaw. Em palco nunca sei como vai ser tocada, depende dos músicos que estiverem comigo e de como me sinto na altura. Quanto a jogar, faço-o algumas vezes, sim.
            Outro tema é dedicado a Billy Harper.
            É um saxofonista que se tornou muito popular nos anos 70. Tocou com a orquestra de Mel Lewis e Thad Jones. Adoro a sua música. Era influenciado por Coltrane, muito espiritual. Influenciou, por seu turno, Gary Thomas, ou Steve Coleman.
            Sabemos que gosta de hip-hop. O gesto que faz na capa de “Standard of Language” pertence a essa cultura?
            (risos) Não. Cada pessoa interpreta-o de maneira diferente. Há quem diga que é um sinal religioso. Na verdade tem a ver com uma composição minha chamada “Tango in six”. Estou simplesmente a fazer o seis com as mãos. O que interessa é constituir um bom tema de conversa.
            O álbum começa com uma canção de Cole Porter…
            “What is this thing called love”. Escolhi-a a pedido da banda. É uma balada que harmonizei de forma a soar diferente. Costumamos tocá-la ao vivo e os meus companheiros sugeriram que a gravássemos da mesma maneira. É um tema harmonicamente bastante complicado que tem sido retomado há anos e anos por uma quantidade de músicos, em versões diferentes. Gostaria que os meus próprios temas se tornassem “standards” algum dia.
            A diversidade é um dos objetivos que persegue?
            Sim, é disso que se trata. Estou sempre a procurar maneiras de ser eu em situações diferentes.
            Qual é o enfoque de “Standard of Language”.
            Gravámo-lo de forma a soar como um concerto ao vivo, com o mesmo tipo de energia, em oposição a “Happy People” que é uma construção típica de estúdio. O título-tema é uma “suite”. Tentei fazer algo mais extenso e diferente das habituais “tunes” de 32 compassos, com uma melodia e “blowing”.
            Herbie Hancock, Bobby Hutcherson, Mc-Coy Tyner e Joe Henderson. Continuam a ser os seus heróis?
            Sim. “They are my men”. Toquei com Mc-Coy Tyner há pouco tempo em Nova Iorque. E amanhã vou tocar com Herbie Hancock. Vai ser interessante!

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