CULTURA
QUINTA-FEIRA, 8 JULHO 2004
Gostaria que os meus temas se tornassem
‘standards’ algum dia
Tocou com Miles Davis, fala japonês, joga golfe e ambiciona criar os
seus próprios “standards”. É assim Kenny Garrett, saxofonista alto que ontem
tocou no Estoril Jazz.
Energia e capacidade de
improvisação caracterizam o estilo do saxofonista alto e soprano, Kenny
Garrett, que ontem atuou no Estoril Jazz (hoje é a noite para se ouvir outro
notável, Branford Marsalis), com o seu quarteto. “Standard of Language”, o seu
mais recente álbum, é um bom exemplo da versatilidade deste músico que tocou na
última formação de Miles Davis e cuja ambição é compor “standards”
contemporâneos.
Kenny
Garrett fez a sua aprendizagem na orquestra de Duke Ellington e, além de Miles,
com quem esteve nas derradeiras formações deste trompetista, tocou com Woody
Shaw, Freddie Hubbard, Bobby Hutcherson, Art Blakey, e nas “big bands” de Mel
Lewis e Frank Foster. Em 1984 gravou para a editora Criss Cross o seu primeiro
álbum como líder, “Introducing Kenny Garrett”. Desde então a sua discografia
atingiu já várias dezenas de títulos, incluindo os mais recentes “Happy People”
e “Standard of Language”, este último um dos grandes álbuns editados em 2003. A
sonoridade forte e o modo como “ataca” o seu saxofone alto fizeram com que o
comparassem a Jackie McLean e Cannonball Adderley, mas a verdade é que a
energia que a sua música transporta está longe de ser “standartizada” e deriva
de uma diversidade de estilos na qual o talento para a improvisação joga um
papel determinante. O PÚBLICO manteve com ele uma breve conversa antes do
“check sound” do concerto.
PÚBLICO — Na sua banda
explora diversos estilos, do “be-bop” ao “free”. Não é difícil manter a
unidade?
KENNY
GARRETT — É a minha identidade. As pessoas reconhecem-me. Toquei com Miles
Davis, Woody Shaw, Art Blakey, Sting e Peter Gabriel e mantive-me sempre igual
a mim próprio.
Que tipo de
experiência teve quando tocou com Miles Davis?
Miles
deu-me a hipótese de executar solos de dez minutos. Era meu amigo. Costumávamos
andar por aí. Eu ia a casa dele para conversarmos sobre música ou sobre a vida.
Recebeu alguma herança
musical dele?
Nem
por isso, não sinto qualquer tipo de obrigação. Digamos que todas as
experiências que tive com outros músicos serviram para moldar a minha
personalidade. A música que vamos ouvir hoje [ontem] é a música de que gosto
embora seja possível reconhecer influências como Miles, John Coltrane ou a
música popular.
Num dos seus álbuns mais recentes, “Happy People”,
há sonoridades orientais…
Sim,
há um tema japonês e outro coreano. Falo um pouco de japonês e estou a aprender
coreano. Neste processo de aprendizagem de uma língua acaba por se ficar a
conhecer a respetiva cultura.
Outro tema é dedicado ao golfista Tiger Woods.
Pratica golfe?
(risos)
“Hole in one”, sim, dedicado a Tiger Woods e a Woody Shaw. Em palco nunca sei
como vai ser tocada, depende dos músicos que estiverem comigo e de como me
sinto na altura. Quanto a jogar, faço-o algumas vezes, sim.
Outro tema é dedicado a Billy Harper.
É
um saxofonista que se tornou muito popular nos anos 70. Tocou com a orquestra
de Mel Lewis e Thad Jones. Adoro a sua música. Era influenciado por Coltrane,
muito espiritual. Influenciou, por seu turno, Gary Thomas, ou Steve Coleman.
Sabemos que gosta de
hip-hop. O gesto que faz na capa de “Standard of Language” pertence a essa
cultura?
(risos)
Não. Cada pessoa interpreta-o de maneira diferente. Há quem diga que é um sinal
religioso. Na verdade tem a ver com uma composição minha chamada “Tango in
six”. Estou simplesmente a fazer o seis com as mãos. O que interessa é
constituir um bom tema de conversa.
O álbum começa com uma
canção de Cole Porter…
“What
is this thing called love”. Escolhi-a a pedido da banda. É uma balada que
harmonizei de forma a soar diferente. Costumamos tocá-la ao vivo e os meus
companheiros sugeriram que a gravássemos da mesma maneira. É um tema
harmonicamente bastante complicado que tem sido retomado há anos e anos por uma
quantidade de músicos, em versões diferentes. Gostaria que os meus próprios
temas se tornassem “standards” algum dia.
A diversidade é um dos
objetivos que persegue?
Sim,
é disso que se trata. Estou sempre a procurar maneiras de ser eu em situações
diferentes.
Qual é o enfoque de
“Standard of Language”.
Gravámo-lo
de forma a soar como um concerto ao vivo, com o mesmo tipo de energia, em
oposição a “Happy People” que é uma construção típica de estúdio. O título-tema
é uma “suite”. Tentei fazer algo mais extenso e diferente das habituais “tunes”
de 32 compassos, com uma melodia e “blowing”.
Herbie Hancock, Bobby
Hutcherson, Mc-Coy Tyner e Joe Henderson. Continuam a ser os seus heróis?
Sim.
“They are my men”. Toquei com Mc-Coy Tyner há pouco tempo em Nova Iorque. E
amanhã vou tocar com Herbie Hancock. Vai ser interessante!
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