CULTURA
QUINTA-FEIRA, 15 JULHO 2004
Paco de Lucía, que pôs tudo dentro do
flamenco, ganha Prémio Príncipe das Astúrias das Artes
SUCEDE A MIGUEL
BARCELÓ
O guitarrista, que atuará em Setembro próximo em Portugal, está a
promover o novo álbum “Cositas Buenas”. De Lucía, disse o júri do prémio,
“transcendeu fronteiras e estilos”
Paco de Lucía conquistou o Prémio
Príncipe das Astúrias das Artes de 2004, que tem como objetivo distinguir
indivíduos, grupos ou instituições cujo trabalho, nas áreas da arquitetura,
cinema, dança, música, pintura e outra formas de expressão artística, seja um
contributo importante para a herança cultural da humanidade. Entre os outros
candidatos contavam-se Bruce Springsteen, Maurice Béjart, Andrew Lloyd-Weber,
Bob Dylan e Pedro Almodóvar.
Paco
de Lucía “transcendeu fronteiras e estilos e é hoje um músico de dimensão
universal”, frisou o júri. “É um reconhecimento da cultura da Andaluzia, da
minha terra, e sobretudo do flamenco, que tão maltratado tem sido”, declarou
por seu lado o premiado, que atualmente se encontra a promover o seu novo
álbum, “Cositas Buenas”, e que atuará em Portugal a 9, 10 e 11 de Setembro.
“Sinto-me muito orgulhoso do prémio pela minha família, porque o meu pai,
quando eu era pequeno, comprou-me uma guitarra como último recurso para
subsistir”, disse ainda o guitarrista, visivelmente emocionado.
Por
mais maltratado que tenha sido o flamenco, porém, Paco de Lucía é o mais
internacionalmente reconhecido dos seus intérpretes, graças a uma música que
funde este género a outras sonoridades, como o “jazz” e a bossa-nova. Entre o
flamenco puro e duro e fusões que, inclusive, o levaram a tocar com músicos
como John McLaughlin, Larry Coryell e Al di Meola, é inegável que a música de
Paço de Lucía possui essa universalidade que agora o júri lhe reconheceu. Mas
mais importante do que isso, habita na sua música aquilo que, sem ele, impede o
flamenco de irromper com naturalidade: o “duende”, a inspiração, um fogo
interior que inflama a alma e anima os dedos.
Paco
de Lucía tem o “duende” dentro de si e por isso a sua música tem mantido ao
longo de uma carreira já extensa, uma vitalidade que está longe de se
extinguir. Aos 57 anos, o guitarrista, que já se apresentou em Portugal ao vivo
por diversas ocasiões, estreou-se em disco com “Dos Guitarras Flamencas”, em
duo com Ricardo Modrego, e, desde então, a sua discografia nunca mais parou de
crescer, sem que se lhe detetem pontos fracos. Álbuns como “Fantasia Flamenca”,
“El Duende Flamenco”, “Fuente Y Caudal”, “Almoraima”, “Castro Marin”, “Siroco”,
“Zyriab” e “Concierto de Aranjuez” popularizaram-no. Ele que há muito já caíra
no goto popular com a rumba “Entre Dos Aguas”.
“Cositas
Buenas”, o mais recente, apresenta composições próprias, uma parceria com
Tomatito, a participação do convidado Alejandro Sanz e a recuperação, num dos
temas, da voz do lendário Camarón de La Isla, de quem foi companheiro musical
numa série de álbuns do cantor. O álbum inclui “soleás”, tangos, rumbas e
“bulerías”, com a particularidade de, numa delas, “Antonia”, o guitarrista
cantar, numa dedicatória à filha. O álbum põe fim a um retiro voluntário de De
Lucía na selva do Iucatão, no México.
O “duende” sempre presente
Francisco Sánchez Gómez de seu
verdadeiro nome, Paco de Lucía adotou o nome artístico por que é conhecido em
homenagem à sua mãe, Lucía Gomez. O pai, também guitarrista, tocava de noite
nas casas de flamenco e de manhã era vendedor no mercado. Aos cinco anos recebe
do pai a sua primeira guitarra e lições do instrumento. Faz parte do duo
Chiquitos de Algeciras, no qual acompanhava a voz do irmão Pepe de Lucía e é na
Radio Algeciras que dá o seu primeiro recital.
Em
1959, obtém um prémio no Festival Concurso Internacional Flamenco de Jerez de
la Frontera. Em 1965, grava dois álbuns com Ricardo Modrego e, dois anos mais
tarde, participa na digressão Festival Flamenco Gitano durante a qual grava o
seu primeiro disco a solo, “La Fabulosa Guitarra de Paco de Lucía”. Em
“Fantasia Flamenca”, de 1969, está já bem definido o estilo fusionista que o
caracteriza. “Fuente Y Caudal”, de 1973, é o álbum na qual se encontra incluído
a rumba que o tornaria famoso, “Entre dos aguas”.
Em
1977 entra nos domínios do jazz rock, gravando e atuando ao vivo com John
McLaughlin, Larry Coryell e Al Di Meola. O flamenco dilui-se no jazz e Paco
ganha uma legião de novos admiradores. Grava com o grupo Dolores, fundado por
Jorge Pardo e Rubem Dantas, uma homenagem a Manuel de Falla. Pardo, na flauta,
e Dantas, na percussão, entram para o seu sexteto em 1981, juntamente com
Carlos Benavent (baixo), Ramón de Algeciras (guitarra) e o irmão Pepe (voz). O
álbum ao vivo “Live One Summer Night” é um êxito e no ano seguinte inicia uma
colaboração com o pianista de jazz Chick Corea. O ano de 1986 assinala o
retorno ao formato mais introspetivo da guitarra acústica e o sexteto apenas
regressa à atividade cinco anos mais tarde.
“Siroco”
e “Zyriab” (com Chick Corea) consolidam a sua fusão de flamenco, jazz e música
brasileira, que brilha resplandecente no “Concierto de Aranjuez”, de Joaquín
Rodrigo, gravado em 1991 com a Orquesta de Cadaques. O autor da obra, presente
durante as gravações, comenta então que “ninguém antes” de Paco de Lucía,
tocara o concerto “com tamanha paixão e intensidade”. Em 1996, 13 anos depois
da sua anterior colaboração, grava de novo com John McLaughlin e Al Di Meola o
álbum “The Guitar Trio”, seguido de uma digressão mundial. O seu atual sexteto,
formação que se tornou modelo para os grupos de flamenco, conta com o notável
cantor Duquende. O “duende”, esse, esteve sempre presente.
O
Prémio Astúrias das Artes, de 50 mil euros, mais uma escultura criada e doada
expressamente por Joan Miró para este galardão, foi instituído em 1981 e
distinguiu nos últimos quatro anos a soprano Barbara Hendricks, o compositor Krystof
Penderecki, o realizador Woody Allen e o artista plástico Miquel Barceló.
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