Y 18|JUNHO|2004
roteiro|discos
brian eno
abrir a boca de espanto
BRIAN ENO
Here Come the Warm Jets
8|10
BRIAN ENO
Taking Tiger Mountain (By
Strategie)
10|10
BRIAN ENO
Another Green World
10|10
BRIAN ENO
Before and After Science
10|10
Virgin,
distri. EMI-VC
Brian
Peter George St. Jean le Baptiste de La Salle Eno. Brian Eno para os amigos.
Derrubou, remodelou e fugiu a sete pés da pop, criando com a sua “música
discreta” as fundações de um edifício novo, com a etiqueta de “ambiental”, para
a eletrónica dos nossos dias.
Mas
no princípio era o artifício e a experimentação com as cores e formas da pop,
lidas, relidas e regurgitadas como algo desfasado das normas ou, para usar o
léxico do próprio, desenhadas de acordo com as “estratégias oblíquas”. Eno acabara
de abandonar os Roxy Music, onde a força da sua imagem fazia espumar de ciúmes
o “dandy” Bryan Ferry. Plumas e lantejoulas e um sintetizador de trazer por
casa transitaram para “Here Come the Warm Jets”, álbum de fazer torcer o
pescoço no esforço de encontrar referências apaziguadoras. Não havia. Aqui a
pop desta Ruth Marlene aristocrata de cabelo ralo e pintura borrada era
convulsão, as melodias pareciam existir desde sempre para se acoitarem em
arranjos de um “não músico” que integrava o erro e o acaso no seu modo de agir.
Alguns temas são demolidores. Diretos, lancinantes e, apesar disso, correndo ao
pé-coxinho, como “Blank Frank” e o hino que arde, “Baby’s on fire”. As
guitarras de Robert Fripp e Phil Manzanera serviam de rastilho. Pelo meio, experimentação
e falsas baladas orgulhosamente pimba como “Some of them are old”. Bowie
aprendeu a lição.
“Taking
Tiger Montain (by Strategy)” é a primeira obra-prima. Inspirado nas “estratégias
oblíquas” e na pintura de Peter Schmidt, refina a pop do disco de estreia.
Impossível classificar estas canções que soam familiares e alienígenas, simples
e incrivelmente complexas. Eno, o não-músico, descobria em cada nota, em cada reviravolta
nas manipulações de estúdio, o prazer da criança que brinca com o desconhecido.
“The true wheel” utiliza uma máquina de escrever para fazer o ritmo e a hipnose
final, “Taking tiger mountain”, é uma lenta ascensão em espiral, “trompe l’oeil”
auditivo cujos círculos sugerem um movimento que é pura ilusão.
Com
“Here Come the Warm Jets” (uma das bíblias do pós-rock) Eno inicia o seu
processo de afastamento da pop para se aproximar de uma música feita de
fragmentos. A voz apaga-se para deixar brilhar a eletrónica e os efeitos
especiais, as melodias ocultam-se e revelam-se em jogos de cabra-cega mas tudo
se ilumina numa saudade de ouro em “Golden hours”, pura evocação não se sabe
bem de que passado glorioso. Fripp, Phil Collins e John Cale são alguns dos
participantes deste álbum feito de coincidências e confidências sussurradas demasiadamente
baixo para lhe furtarmos um sentido único.
“Before
and After Science” deve ser arrumado na estante dos discos fundamentais dos
anos 70. É o retorno às canções construídas como colagens, mas agora envoltas
na névoa minimalista resultante do contacto entre Eno e a dupla germânica
Cluster, num tema como “By this river”, influência decisiva nos dois sentidos,
já que também Moebius e Roedelius se deixariam enredar nas malhas do inglês nos
seus “Cluster & Eno” e “After the Heat”. “Before and After Scince” anuncia
ainda a new wave, no esplendor da sua energia concentracionária. “King’s lead
hat” é uma homenagem, com título em anagrama, aos Talking Heads e “No one receiving”
e “Kurt’s rejoinder” fazem boa companhia ao lado da trilogia do Bowie de Berlim,
para quem este disco viria a constituir leitura obrigatória.
Eno
inventou a sua própria ciência e passaria os anos seguintes a teorizar sobre
ela. Viria a seguir a fase dos murmúrios, das metamorfoses do céu sobre
Manhattan e da música sonhada num leito de hospital com a qual reinventaria,
como John Cage, o silêncio. Antes, porém, vale a pena agarrar estes quatro
álbuns que fazem a pop abrir a boca de espanto...
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