CULTURA
SÁBADO, 7 FEV 2004
Crítica
Música
Mogwai foram reis só no final
MOGWAI
LISBOA
Paradise Garage, 5ª, lotação esgotada.
O Paradise Garage tem
acústica deficiente, péssima visão da maior parte dos locais (a não ser que se
meça para cima de 2,10 metros), calor sufocante em alternância com jorros de ar
condicionado capazes de causar a rápida perfuração dos pulmões. Tudo somado dá
“rock ‘n’ roll”. Na quinta-feira, os Mogwai aproveitaram como puderam estas
características, atraindo ao local uma legião de fãs que bastante tempo antes
do concerto já faziam fila de muitos metros para entrar no santuário.
Percebe-se que a banda escocesa conquistou inúmeros
admiradores em Portugal. A expectativa era, por esse motivo, enorme, com muita
gente preparada para receber o batismo do mítico “concerto da minha vida”. No
final, porém, o entusiasmo deu lugar à moderação e, como consequência, a nova
formulação daquele conceito, bem mais realista, de “o melhor concerto dos
últimos dois dias da minha vida”.
Foi bom? Foi mau? Para os fanáticos foi obra ao vivo mais ou
menos prima. Para os mais exigentes, mas que apesar disso não poupam nos
elogios aos álbuns da banda, soube a desilusão.
Os Mogwai têm pouco para oferecer além dos habituais caudais
de energia e eletricidade com que muitos grupos de rock compensam a falta de
originalidade e de ideias. Hoje em dia, com a caução do “épico” e do
“grandioso, oferecida de bandeja pelos Godspeed You Black Emperor! (gybe!), é
fácil esmagar uma audiência com cascatas de decibéis e guitarras em
descontrole. É o chamado “factor gybe!”, mais conhecido na gíria, por “vai
acima vai abaixo”, técnica que, no Garage, os Mogwai mostraram saber dominar
como ninguém.
O sistema “vai acima vai abaixo” traduz-se na prática pela
alternância entre momentos contemplativos (leia-se com as guitarras a fazerem
um zumbido baixinho, perdão, uma “drone”, enquanto o baterista descansa e limpa
o suor e as baquetas) e grandiosos clímaxes (leia-se uma massa sonora
indistinta e ensurdecedora) de catarse e intensa espiritualidade (ou
fisicalidade, tanto faz, desde que seja “intensa”). Assim fizeram os Mogwai,
para deleite de muitos que pareciam conhecer de cor os temas de álbuns como
“Rock Action” ou o novo “Happy Songs for Happy People”. Mas mesmo esses
torceram o nariz ao que se passou entre os momentos “altos” e os momentos
“baixos” – uma acumulação de clichés de pós-rock, em piloto automático,
musicalmente monótonos, a compor uma espécie de “muzak” limpa-ouvidos.
Mas, hélas, foi precisamente o ruído o elemento redentor. Os
minutos finais, lancinantes, proporcionados por “My father my king”,
massacraram no bom sentido e deixaram marcas. “Perdi o sentido da realidade,
não sabia o que se estava a passar!”, foi um dos comentários escutados a
propósito. Como se os Mogwai assumissem finalmente os limites da sua música,
levada à apoplexia e ao apocalipse. “My father my king”, uma pulsação
monstruosa que pareceu vibrar por uma eternidade (mas poderia ter durado ainda
mais, a noite inteira, e então o concerto teria sido, de facto, antológico) e
arrasou por completo, quer os sentidos quer as inutilidades gastas em tudo o
resto. Então sim, os Mogwai conseguiram ser reis.
EM RESUMO
“My father my king”, o apocalíptico tema final, redimiu os
Mogwai, num concerto que chegou a ser monótono
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