07/02/2020

Mogwai foram reis só no final


CULTURA
SÁBADO, 7 FEV 2004

Crítica Música

Mogwai foram reis só no final

MOGWAI
LISBOA Paradise Garage, 5ª, lotação esgotada.

O Paradise Garage tem acústica deficiente, péssima visão da maior parte dos locais (a não ser que se meça para cima de 2,10 metros), calor sufocante em alternância com jorros de ar condicionado capazes de causar a rápida perfuração dos pulmões. Tudo somado dá “rock ‘n’ roll”. Na quinta-feira, os Mogwai aproveitaram como puderam estas características, atraindo ao local uma legião de fãs que bastante tempo antes do concerto já faziam fila de muitos metros para entrar no santuário.
Percebe-se que a banda escocesa conquistou inúmeros admiradores em Portugal. A expectativa era, por esse motivo, enorme, com muita gente preparada para receber o batismo do mítico “concerto da minha vida”. No final, porém, o entusiasmo deu lugar à moderação e, como consequência, a nova formulação daquele conceito, bem mais realista, de “o melhor concerto dos últimos dois dias da minha vida”.
Foi bom? Foi mau? Para os fanáticos foi obra ao vivo mais ou menos prima. Para os mais exigentes, mas que apesar disso não poupam nos elogios aos álbuns da banda, soube a desilusão.
Os Mogwai têm pouco para oferecer além dos habituais caudais de energia e eletricidade com que muitos grupos de rock compensam a falta de originalidade e de ideias. Hoje em dia, com a caução do “épico” e do “grandioso, oferecida de bandeja pelos Godspeed You Black Emperor! (gybe!), é fácil esmagar uma audiência com cascatas de decibéis e guitarras em descontrole. É o chamado “factor gybe!”, mais conhecido na gíria, por “vai acima vai abaixo”, técnica que, no Garage, os Mogwai mostraram saber dominar como ninguém.
O sistema “vai acima vai abaixo” traduz-se na prática pela alternância entre momentos contemplativos (leia-se com as guitarras a fazerem um zumbido baixinho, perdão, uma “drone”, enquanto o baterista descansa e limpa o suor e as baquetas) e grandiosos clímaxes (leia-se uma massa sonora indistinta e ensurdecedora) de catarse e intensa espiritualidade (ou fisicalidade, tanto faz, desde que seja “intensa”). Assim fizeram os Mogwai, para deleite de muitos que pareciam conhecer de cor os temas de álbuns como “Rock Action” ou o novo “Happy Songs for Happy People”. Mas mesmo esses torceram o nariz ao que se passou entre os momentos “altos” e os momentos “baixos” – uma acumulação de clichés de pós-rock, em piloto automático, musicalmente monótonos, a compor uma espécie de “muzak” limpa-ouvidos.
Mas, hélas, foi precisamente o ruído o elemento redentor. Os minutos finais, lancinantes, proporcionados por “My father my king”, massacraram no bom sentido e deixaram marcas. “Perdi o sentido da realidade, não sabia o que se estava a passar!”, foi um dos comentários escutados a propósito. Como se os Mogwai assumissem finalmente os limites da sua música, levada à apoplexia e ao apocalipse. “My father my king”, uma pulsação monstruosa que pareceu vibrar por uma eternidade (mas poderia ter durado ainda mais, a noite inteira, e então o concerto teria sido, de facto, antológico) e arrasou por completo, quer os sentidos quer as inutilidades gastas em tudo o resto. Então sim, os Mogwai conseguiram ser reis.

EM RESUMO
“My father my king”, o apocalíptico tema final, redimiu os Mogwai, num concerto que chegou a ser monótono

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