08/01/2015

Tudo isto é fado ou não?



Y 14|SETEMBRO|2001
escolhas|televisão

Tudo isto é fado ou não?

Para os franceses é fácil. Eles gostam de fado, adoram falar de nós como arautos da fatalidade. Não admira que o canal Muzzik dedique grande parte da sua programação deste mês à música portuguesa, com insistência em Amália.

Para os franceses, toda a música portuguesa que envolva alguma nostalgia, roupas pretas, guitarras e vozes capazes de s fazerem ouvir a dez quilómetros de distância, é fado. Instados a comentar, nós, portugueses, sorrimos com condescendência a esta redução, abanamos a cabeça: que não, nem tudo é fado, insistindo na variedade e originalidade da nossa música. Mas no fim, lá admitimos que talvez haja um bocadinho de fado em muito do que fazemos quando se trata de fazermos música.
            Mas para os franceses é fácil. Eles gostam de fado, adoram falar de nós como arautos da fatalidade e do destino. Depois, Amália, deixou lá raízes fundas. A outra música portuguesa, mais recente, entrou por arrasto.
            Não admira, pois, que o canal francês Muzzik resolvesse dedicar grande parte da sua programação deste mês à música portuguesa, com insistência em Amália Rodrigues, como é evidente, mas deixando espaço largo para os Madredeus. Ala dos Namorados e, já mais afastados do fado e do “fado”, Carlos e Vasco Martins e a cantora Maria João, serão contemplados na próxima semana pelo canal Muzzik.
            De Amália, poderão ser vistos, esta semana, a horários diferentes, os três primeiros programas de uma série de cinco, de genérico “Amália, a Strange Way of Life”. O primeiro, “Ai Mouraria”, aborda a figura da fadista na sua fase de carreira compreendida entre 1920 e 1947. O segundo, “Foi Deus”, abrange os anos de 1947 a 1955. “Gaivota”, o terceiro, corre de 1955 a 1965. Até ao final do mês o canal Muzzik passará ainda os dois últimos programas da série: “Vou Dar de Beber à Dor”, sobre o período que vai de 1965 a 1972, fechando-se este ciclo televisivo dedicado à maior fadista de todos os tempos, com “Com que Voz”, que passará em revista a vida e carreira de Amália decorridos entre 1972 e 1994.
            Mas há mais fado reservado para o Muzzik, em Setembro: uma “Soireé Fado: Entre Tradition et Modernité”, por exemplo. E “Fado, Chant de l’Âme”, documentário inédito co-produzido pelo próprio canal Muzzik, escrito e realizado por Jean-Pierre Larcher e Dennis Dartnell, cuja objetivo é “descobrir, ao longo da História de Portugal e do seu povo, as fontes de inspiração” do fado, abordando em simultâneo fusões e ramificações deste género musical em coabitação com a morna cabo-verdiana e o samba brasileiro, desde a época do “tráfico de escravos”. “Fado, Chant de l’Âme” centra-se em tópicos míticos do fado, que o alimentam e se projetam no imaginário português: a perda, a nostalgia, o exílio. “A ‘fadista’ de hoje e de ontem”, diz a sinopse, “exalta os transes e as paixões de um passado que foi devorado”.
            Depois de Amália, os Madredeus são a segunda referência da música popular portuguesa a conseguir furar o bloqueio do mercado gaulês. Mas se a banda de Teresa Salgueiro e Pedro Ayres Magalhães goza hoje neste país de um estatuto invejável, apresentando-se diante de salas esgotadas e tirando dividendos compensadores da venda dos seus álbuns, isso deve-se essencialmente, além da qualidade intrínseca do grupo e à máquina promocional que o sustenta, ao fenómeno que na última década abriu em força as portas do mercado discográfico francês à chamada “world music”.
            Goste-se ou não, concorde-se ou não, é nesta prateleira, das músicas étnicas, sinónimo de geografias “marginais”, que são arrumados os discos da mais bem sucedida banda portuguesa da atualidade. Para os franceses, o xaile e a voz de Teresa Salgueiro e as guitarras de Pedro Ayres Magalhães e José Peixoto, não enganam: o fado anda por ali. E apesar dos próprios músicos já por diversas vezes terem tentado demarcar-se deste destino que os confina, para lá das fronteiras, ao fado, estão verdadeiramente impressas na sua música as marcas da saudade, do mar e da distância. Marcas mais do que exteriores, íntimas, secretas. Mas essas só alguns as distinguirão e esses são os que com legitimidade podem afirmar que a música dos Madredeus aflora o fado na sua essência, respirando-o embora num futuro que se ergue já na outra margem.
            O programa do Muzzik consiste num concerto do grupo, presumivelmente antigo, dada a presença no elenco de Francisco Ribeiro e Gabriel Gomes, dois músicos que há muito abandonaram os Madredeus.
            Para ver e talvez compreender melhor, porque através de olhos alheios, o que de verdadeiramente sublime e paradoxal – luz e trevas jogando aos dados na música da diva e dos Madredeus – se oculta na música popular portuguesa. Seja ela o fado ou por ele transfigurado.


Amalia, a Strange Way of Life – Ai Mouraria
Sáb., 15, às 15h40; Dom., 16, às 13h35; 5ª, 20, às 17h50

Amalia, a Strange Way of Life – Foi Deus
Sáb., 15, às 16h55; 5ª, 20, às 18h50

Amalia, a Strange Way of Life – Gaivota
Dom., 16, às 18h45

Soireé Fado: Entre Tradition et Modernité
Dom., 16, às 19h55

Fado, Chant de l’Âme
4ª, 19, às 13h10

Madredeus Concert
Dom., 16, às 20h00; 2ª, 17, às 8h40

CANAL MUZZIK

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