PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 19 JUNHO 1991 >> Cultura
Nuno
Rebelo, depois da vitória no Concurso de Música Moderna
“Gosto da liberdade de improvisação”
Dos computadores, Nuno Rebelo passou para os delírios da
improvisação em palco. Duas faces de uma mesma moeda: a paixão pela música. Há
anos, o concurso do Rock Rendez-Vous lançou-o e aos Mler Ife Dada. Agora a
história repete-se, com os Plopoplot Pot.
Os Plopoplot Pot, projeto há muito
acalentado por Nuno Rebelo, venceram o Concurso de Música Moderna, promovido
pela Câmara Municipal de Lisboa. Como sempre acontece nestas ocasiões, houve
polémica. Vitória da competência sobre a imaginação, disse-se a propósito.
Colagem aos Naked City, “exercício masturbatório”, “mutíssimo competente
execução” foram algumas das “acusações”. Nuno Rebelo não tinha o direito de ser
o melhor.
PÚBLICO – Que motivos o levaram a
participar num concurso aparentemente vocacionado para a divulgação de novos
nomes, o que não é o seu caso nem dos outros Plopoplot Pot?
NUNO REBELO – Os Plopoplot Pot são um
projeto surgido há cerca de três anos. O nome era outro mas a ideia era a
mesma. Houve alguns ensaios e desistimos. Mas fiquei com essa “fisgada”. Em
relação aos concursos, vejo-os como uma oportunidade de concretizar ideias. São
uma motivação. Quando era pequeno, fazia histórias de banda desenhada. Pensava
em escrever histórias de 50 páginas mas nunca passava da segunda, porque sabia
que não as ia publicar. Preciso imenso desses objetivos concretos. Em relação à
banda, como não houve nenhuma editora que viesse ter comigo a dizer “forma uma
banda que eu gravo-te o disco…”
P. – Mas a vossa participação no
concurso pode ser encarada como uma forma de promoção que, na prática, está a
tirar a oportunidade a músicos mais novos…
R. – Antes de eu apresentar as
maquetes, telefonei para a organização a pôr essa questão. Foi-me dito que
havia vários grupos a concorrer com músicos profissionais, um com o Rui Júnior
e a Paula dos Ban, falava-se de um grupo com o Jimba e alguns dos Censurados.
Disseram-me mesmo que o prémio do concurso era muito bom, precisamente para
cativar os profissionais, de modo a aumentar a qualidade, para não se chegar ao
fim e o júri dizer “bem, ora vamos lá dar o prémio ao mal menor”.
P. – E se os Plopoplot Pot não
tivessem ganho?
R. – Teria sido uma vergonha tremenda,
para mim. Foi um risco que tive de assumir. A partir do momento em que
entreguei a maquete, passei a funcionar só em termos de “vou ganhar este
concurso”.
Projeto para continuar
P. – Os Plopoplot Pot são projeto para
continuar?
R. – Isto foi a concretização da ideia
do grupo. A segunda etapa é tentar arranjar, o mais rápido possível, maneira de
gravar um LP. A terceira, tentar ir lá para fora, uma vez que nos movemos numa
área em que competimos em pé de igualdade, o que não acontece com grupos como
os Delfins ou os Xutos, que têm de competir com mega-estruturas, ao nível das
dos Simple Minds ou Rolling Stones.
P. – Há quem compare a música dos
Plopoplot Pot à dos Naked City. Em relação a si, que no grupo toca baixo e
violino, vem à baila o nome de Fred Frith. Aceita este tipo de comparações?
R. – O que se passa é haver uma
relação de identidade. Há dias, a seguir a um concerto, a propósito da tal
influência dos Naked City, respondi que “lá por duas pessoas falarem francês,
não quer dizer que se andem a imitar uma à outra”. Dito isto, em termos de
referências, é preciso recuar aos anos 70 e aos Gentle Giant, ou aos 80, quando
ouvia Fred Frith, com quem me identifico, em termos de sensibilidade musical.
Já John Zorn e os Naked City são referências mais remotas. A cena de contrastes
dos Naked City é uma coisa que eu já desenvolvia com os Mler Ife Dada.
P. – As pessoas tendem a associá-lo
aos computadores e à música eletrónica. Como explica a passagem repentina para
um contexto tão diferente?
R. – Nesta banda reencontrei a energia
que tinha perdido quando deixei os Street Kids, que vinham da “new wave”. Havia
uma carga energética em palco que se foi perdendo nos Mler Ife Dada e de que
comecei a sentir falta. Posso dizer que nunca na minha vida dei um concerto em
que tivesse descarregado tanta energia, como na final do concurso. Saí com os
músculos da barriga completamente doridos, as pernas pareciam de gelatina. Não
me aguentava de pé.
P. – Houve mesmo quem chamasse à vossa
prestação um “exercício masturbatório”…
R. – Nós o que fizemos foi reencontrar
o velho prazer de tocar ao vivo. Em palco, há toda uma comunicação entre os
músicos, à base de sinais, de olhares, de gritos. Quase um ritual. Subimos para
o palco, fechámo-nos sobre nós próprios e carregámo-nos de energia. A pensar:
“vou explodir a seguir, vou dar o máximo”.
O prazer de fazer música
P. – Como encara o futuro da música
portuguesa alternativa?
R. – Há uma situação interessantíssima
na cena atual. Acho tão importante a atividade individual de maturação dos
músicos, como depois partilhar isso com os que passaram pelo mesmo processo. No
meu caso, há um mês estava no Johnny Guitar com um computador, em improvisações
eletrónicas, e o Sei Miguel na trompete. Um mês depois estou num palco a partir
as cordas do baixo. Isto é ser músico, em 1990. Gosto da eletrónica, mas também
da energia rock e da liberdade de improvisação. Movimento-me pelo prazer de
fazer música.
P. – Em que ponto se encontra a
hipótese de edição no estrangeiro, nomeadamente na belga Made to Measure (MTM),
subsidiária da Crammed?
R. – A “Sagração do Mês de Maio”
funcionou como uma espécie de cartão de visita para o Marc Hollander.
Mandei-lhe depois material como o “Auto da Índia”, da peça de Gil Vicente,
composta sobre música do séc. XVI, vista por um prisma atual, e música étnica
dos lugares por onde os portugueses passaram. Disse-me que nunca tinha ouvido
nada igual, mas lamentou não poder editar. Ele edita discos de John Lurie ou
Arto Lindsay que vendem 40, 50 mil exemplares. Quantos venderia o Nuno Rebelo?
O objectivo de Marc Hollander é chegar o dia em que as pessoas comprem um disco
da MTM só porque é MTM, seja do José da Silva ou do Mike Stangerman. Só nesse
dia o Nuno Rebelo terá lugar na Crammed.
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