Pop
Rock
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MAIO 1991
O CÂNTICO DOS ELETRÕES
O catálogo francês
Badland, especializado em música electrónica, passou a ter representação em
Portugal, através da Ananana, coletivo apostado em divulgar os sons
alternativos que vão surgindo um pouco por todo o planeta. Os discos, capazes
de fazer as delícias dos amantes dos “bits” e “bites” musicais, podem ser
obtidos via postal.
Do programa de intenções da Badland, que prevê
apenas a edição de discos compactos, consta a gravação e distribuição de obras
incidindo nas diversas áreas da denominada “new music” – do rock alternativo às
músicas electrónica, minimal, progressiva, repetitiva, “new wave”, industrial,
“funk” e étnica. Para já, os seis volumes até agora editados incluem-se no
território vasto da electrónica e refletem, segundo a própria editora, “uma
alteração de tendências no mundo da música”. Passemos em revista os discos em
questão, do primeiro ao mais recente.
Robert Rich cria música
capaz de provocar estados físicos e psíquicos de relaxação, propícios ao sonho
e à contemplação. Do seu currículo fazem parte
uma obra de nove horas ininterruptas de música electrónica, baseada em
“ondas vibratórias que induzem ao sono”, e uma escultura “quadrifónica com três
‘lasers’ apontados a uma fonte”. Integrou grupos de música ritual/industrial e
“rítmica minimal”. “Numera” estende-se por atmosferas oníricas, vibrando em
cristais de silêncio no interior de uma imensa catedral. Avançando para além do
conceito “ambiental”, Robert Rich prolonga os transes hipnóticos de Klaus
Schulze até os diluir no espaço estelar. O disco, construído sobre “sistemas de
entoação precisa”, dá uma atenção particular às “séries harmónicas”, o que não
chega para nos tirar o prazer da sua audição.
Dos seis discos, “Flow” é o mais fraco do lote. Praticantes
de “high-tech dance music”, os Quiet Force são óptimos
a demonstrar as possibilidades da nova tecnologia áudio. Os computadores e
sequenciadores não têm segredos para eles. Falta-lhes conhecer o mais
importante: saber transformar a luxúria digital em música interessante e
inovadora.
“Traces”, do compositor norueguês Erik
Wollo, figura desde já como uma obra-prima definitiva das novas correntes da
música electrónica. “Ambiental”, “romântica”, “impressionista”, “étnica”, são
outras tantas designações incapazes de descrever e englobar a riqueza e
sobrenatural beleza de uma música que parece mover-se noutras esferas. Erik
Wollo serve-se dos sintetizadores e de toda a panóplia electrónica ao seu
dispor, como se fossem desde sempre instrumentos da floresta e do mar.
Transcendente.
Mais próximo da sensibilidade rock, seja lá o que
isso for, “The Secret Convention”, assinado pelos Propeller Island (alter-ego
do alemão Lars Strosschen), joga num experimentalismo divertido, aliando os
ritmos maquinais dos sequenciadores a atmosferas estranhas em constante
mutação, capazes de provocar no auditor um estado de constante surpresa e
excitação. Na caixa, somos avisados de que certos efeitos mais bizarros se
devem não a um qualquer defeito de fabrico, mas à própria estrutura musical.
Conrad Schnitzler, um dos
fundadores da escola “planante” berlinense dos finais da década de 60, integrou
a formação original dos Tangerine Dream, ao lado de Klaus Schulze e Edgar
Froese. Mais tarde passou pelos Cluster (de Dieter Moebius e Joachim
Roedelius). Trabalhou com Peter Baumann (outro ex-Tangerine Dream, actual
responsável pela editora Private Music). Detentor de uma já extensa discografia
a solo, ou em dueto com o experimentalista americano Gen Ken Montgomery, sob a
designação “Gencon”, Conrad Schnitzler tem, contudo, em “Constellations” a sua
primeira edição em CD. Música dita “de computador”, “Constellations” viaja
durante mais de uma hora pelo interior de uma “realidade virtual”, alucinatória
e deslumbrante, sensibilizando o auditor para novas formas de sentir e
compreender a organização dos sons.
“Solo: Observed” – título estranho para a música do
duo Becker/Lehnhoff composta exclusivamente através de processos
computorizados, dificilmente se descreve por palavras. Há quem se lhe refira
como uma “pintura surrealista de Berlim no ano 2000”. Gravado nesta cidade, com
o auxílio de Chris Franke (ainda um ex-Tangerine Dream…), “Solo: Observer”
explode em múltiplas direções. Ritmos rock, fragmentos de vozes e sons
transformados via “sampler”, naipes orquestrais sintéticos, entrelaçam-se e
colidem entre si, criando um universo paralelo cuja lógica obedece
exclusivamente aos arquétipos significantes do inconsciente.
“Polyrische variationen”, do alemão Stefan
Tiedje (a Alemanha sempre à frente, no capítulo da música eletrónica),
revela-se uma obra mais conceptual, mas não menos interessante. Um dos temas
(“The Voice”) é construído a partir de um “sample” da voz de Diamanda Galas.
Outro (“Water you Have for”), criado em 1987, para o Festival “White Waves”,
utiliza tratamentos electrónicos de sons oceânicos. “Murmelmusik”,
declaradamente ambiental, procura, nas palavras do compositor, criar “um efeito
semelhante ao murmúrio do riacho”.
Refira-se por último que na Ananana se podem
encontrar obscuras preciosidades, em álbuns de Asmus Tietchens, Blackhouse,
Esplendor Geometrico, Jeff Greinke, Jorge Reyes, Roedelius, Mecanica Popular,
Pascal Comelade, Peter Frohmader, PGR, Reyvision, Thomas Koener ou Vasilisk,
alguns de entre muitos nomes e mundos a descobrir (Ananana, apart. 3164, 1304
Lisboa).
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