Sons
18 Outubro
2002
dança américa dança
Alan Vega está tão zangado como quando lançou as suas invetivas em
Suicide,
de 1977. O novo disco do grupo, American Supreme, é mais comercial. Mas a violência continua a palpitar.
SUICIDE
American
Supreme
Blast First, distri. Zona
Música
7|10
Suicide. Suicídio, Alan Vega e
Martin Rev, a dupla que em 1977 cometeu o crime no álbum de estreia, “Suicide”,
com a palavra escrita a sangue na capa, anunciara já a profecia, que o atentado
de 11 de Setembro confirmou: “Trata-se do suicídio mais lento da história da
humanidade.”
Estão
de volta com um novo álbum, “American Supreme”, para o provar, enfiando a
América, uma vez mais, no matadouro. Mas agora já não nas mandíbulas de horror
da serra elétrica de “The Texas Chainsaw Massacre”, que era como soava esse
primeiro disco, que transcrevia para um cenário industrial a orgia de
sofrimento dos Velvet Underground. Agora (ironia das ironias), é sensível o
chamamento apelativo do hip-hop, como se à pop feita na América nada mais
restasse senão dançar.
É,
nas palavras de Alan Vega, o álbum mais “comercial”, mas também o mais
“avant-garde” dos Suicide. Sente-se uma incomodidade. Não tanto como se o
presente estivesse a trair o passado, mas porque o mundo, afinal, se
transformou numa gigantesca feira de “freaks”, onde cada um paga bilhete para
participar.
Sob
o ondular ao vento das “Stars and Stripes”, apagadas nas cinzas de uma foto a
preto e branco, ao melhor estilo do efeito “noite americana” usado no cinema, a
serpente rasteja ainda. É preciso procurá-la. Ou fugir dela. Os Suicide
desistiram ou os Suicide mudaram de estratégia, eis uma das questões levantadas
por um álbum marcado pela ambiguidade, onde a decadência da sociedade americana
e da civilização ocidental e a ilusão da pop se entrelaçam, e são citados
Debord (“a celebridade é a antítese da própria vida”), Artaud (“Porquê mentir,
dar uma aparência de ficção àquilo que é o rugido da vida?”) e Donny Osmond
(“Os adolescentes odeiam-nos. Os mais velhos adoram-nos”). Um último conselho é
dado por uma das canções de “American Supreme”: “Abram-se e sangrem.”
Em
1977, os espetáculos do grupo acabavam invariavelmente em sessões de
pancadaria, com o público a agredir os músicos à cadeirada e estes a
responderem na mesma moeda, queimando-os com pontas de cigarros acesos. A
violência, como derradeira manifestação de amor, diziam então Vega e Rev, numa
provocação cujo significado se torna hoje, mais do que nunca, compreensível. Em
2002, as coisas não mudaram assim tanto. Com uma diferença: as pessoas estão
inertes. Suicídio. Os Suicide estão vivos, podemos garanti-lo, até porque
falámos com um deles, Alan Vega.
Comparando com o som e a violência dos
primeiros álbuns, “Suicide” e “Alan Vega-Martin Rev-Suicide”, este “American
Supreme” soa bastante mais suave, não acha?
Não estou de acordo. “Way of
Blue” tinha coisas parecidas. O que aconteceu foi uma evolução natural para
sonoridades mais pop. Nunca se pode repetir um primeiro álbum. Não estaria
certo. E deixámos de recorrer a outros produtores, como Ric Ocasek. “American
Supreme” é o nosso álbum mais comercial, mas também o mais “avant-garde”.
Iremos, uma vez mais, influenciar as próximas gerações.
No livrete do disco, usaram uma citação de
Antonin Artaud, criador do teatro da crueldade…
As coisas mudaram, tal como eu
disse, os tempos tornaram-se tão violentos… E eu mudei, tornei-me pai, há
quatro anos… Não estou a falar de violência pessoal, mas de violência mundial.
É um álbum conceptual? Só a capa já é um
“statement”.
Sim, concordo. Não sei se é um
álbum conceptual. Martin e eu nunca nos sentamos a dizer: “Vamos lá conceber
esta coisa…” O álbum é esquisito porque foi começado antes de 11 de Setembro.
Aquilo aconteceu a dez minutos a pé do local onde vivo, estava em casa no dia
em que aconteceu. Começámos a compor antes disso, mas sentia alguma dificuldade
em cantar as letras e a música soava-me estranha… Foi então que aconteceu
aquilo. Alterei as letras, o Martin também acrescentou algumas faixas.
Fizemo-lo, apenas. Como uma banda de blues. Saiu dos nossos corações. Mas sim,
ao olhar para os títulos e para a capa, é espantoso como faz sentido, parece
que nomeio todas estas merdas. Agora fala-se em bombardear o Iraque! Na
verdade, nós já andávamos a dizer isto há 30 anos. “Suicide” não era sobre o
nosso suicídio, mas sobre o suicídio do mundo. Passados 30 anos podemos dizer:
“Vêem, não estávamos a pensar em suicidar-nos! Estávamos a falar do suicídio do
mundo. Quer dizer, do Ocidente – o suicídio mais longo de todos os tempos.”
11 de Setembro uniu, de facto, os
americanos?
Nas primeiras semanas toda a
gente andava com a bandeira americana. Toda uma treta patriótica. Mas morreram
quatro mil pessoas. E se se pensar em todos os familiares, são 25, 30 mil
pessoas envolvidas, é triste. Quanto aos edifícios… [risos], sempre os odiei…
Enfim, o que importa é ver o que
irá acontecer com o Iraque…
Referiu que este era o álbum mais comercial
do grupo, mas é também aquele que faz a denúncia do sucesso e das suas
consequências…
Não sei. Nunca tentámos ser
comerciais. Fazemos o que temos a fazer, se se tornar comercial, ótimo, senão…
O que me preocupa é que muitas bandas copiam os Suicide e ganham uma quantidade
de dinheiro à conta disso. Isso chateia-me. Tem-se feito tanto alarido à volta
deste álbum, é ridículo… Ou talvez tenhamos encontrado, finalmente, o público
certo.
Que é…?
Parece que soamos à própria
América. Tocámos recentemente no Texas e adoraram-nos. Duas horas e meia,
quando normalmente tocamos uma… Pediram “encores”, temas de “Suicide”… Miúdos
novos, “cowboys”, putos mexicanos… Se calhar nem tinham nascido quando os
Suicide apareceram.
Continua tão zangado como estava em 1977?
Sim, acho que ainda devo estar
[risos]. Disseram-me isso no outro dia. Ouço este álbum e penso: de onde é que
vêm estas letras cheias de fúria? Fui eu! Em geral, esqueço-me de tudo depois
de escrever. Na semana passada, demos um concerto na rádio. Fui ouvir o álbum
outra vez, tinha perdido as letras e só pensava: mas o que é isto?!
Se, como afirmam através de uma citação, “a
celebridade é a antítese da própria vida”, que crédito dar a personalidades
como Bono, por exemplo?
Gostava dos U2 no início. Eram ótimos.
Estavam zangados. Agora são apenas uns tipos da pop. Já não sinto nada vindo
deles. Podem falar de pessoas a morrer à fome que já não acredito neles. Alguém
ainda acredita? Sei qual é o poder do sucesso. Experimentei disso, no início é
ótimo: dinheiro, miúdas, bons hotéis… Seduz, mas depois começamos a
esquecer-nos de quem somos.
Quer dizer que os Suicide desistiram
ostensivamente do sucesso?
Começa por ser um estilo de vida
e, de repente, ficamos possuídos, rodeados por pessoas em quem não confiamos.
Sem tempo para estar com os amigos. Agora, reencontrei-me. Não tenciono
regressar lá nunca. Já sei como é. Não quero. Mas gostava de ter o dinheiro,
claro. Vou tocar à Europa, e sinto-me realmente grande (risos). Mas volto a
Nova Iorque, e é como uma lobotomia, lá ninguém liga peva a ninguém. Voltamos
logo ao lugar. O meu filho está a marimbar-se se sou estrela ou não. Levo uma
vida normal. O que me preocupa é o mundo em que ele vive, em que também vivo.
Quero ter uma vida livre. É por isso que detesto os fundamentalistas: querem
regressar ao séc. XIII. Não quero viver no séc. XIII. O que me preocupa nesta
história do Iraque é a possibilidade de responderem com gás venenoso, bombas
atómicas, águas contaminadas… A América tornou-se o país mais perigoso do
mundo.
“American Supreme” incorpora ritmos de
hip-hop…
Sim, o Martin andou a ouvir muito
material da Tamla Motown, e Thelonius Monk. É uma das razões por que o álbum se
chama “American Supreme”, é sobre os grandes músicos americanos.
Tem um coração rock ‘n’ roll?
É provável. Cresci a ouvir e a
gostar de música dos anos 60, Elvis Presley, Roy Orbinson… Não conseguia ir à
escola se tinha em casa um disco de Presley para ouvir. E Roy Orbinson foi a
maior voz de todos os tempos, canta como um anjo, um anjo de Deus.
Foram pioneiros, mas o que se sente neste
novo disco é que parecem ter sido influenciados pelo que veio depois…
Vamos ficando mais velhos e
ouvimos muitas coisas, todos os géneros de música. Ouço tudo, só pelo facto de
viver em Nova Iorque. Estão lá todas as nações, todas as línguas, todas as
músicas, basta atravessar a rua… Tenho ouvido muito RAI, enquanto o Martin se
dedica mais ao rap e hip-hop.
Conhece os Silver Apples? Há quem afirme
que eles foram uma espécie de proto-Suicide.
Conheci a sua música no final dos
anos 60, adoro-os. Encontrei-os há cerca de dois anos em Nova Iorque, num
festival de eletrónica. Adoro-os a todos, Iggy Pop, Jimi Hendrix, Terry Riley
(“Rainbow in Curved Air” é um álbum fantástico!), La Monte Young. Philip Glass
não, é um vendido… demasiado limpinho e previsível.
Os Suicide ainda cantam canções de amor,
como “Cheree”?
Absolutamente. “Child, it´s a new
world” é uma velha canção de amor cantada por Barry White. Mas depois do 11 de
Setembro, resolvi modificar a letra e dedicar o tema ao meu filho, a todas as
crianças do mundo. Ele adora o nosso disco.
É capaz de lhe dar a ouvir “Frankie
teardrop”?
Algum dia sim, por enquanto é
muito novo, mas é provável que venha a gostar. As crianças de hoje são
diferentes, nasceram já ligados a um computador. Acho que absorvem a energia
deles…
“American
Supreme” está disponível no dia 28, pela Zona Música
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