SUZANNE VEGA ATUA NO PORTO E EM
LISBOA
OS DESEJOS DA
CASTA SUSANA
Vega é nome de estrela. Ela evita sê-lo.
"Pálida", "etérea" e "transparente", como já lhe
chamaram, Suzanne Vega continua a observar o mundo através de um prisma aguçado
por lucidez em demasia e alguma insegurança. "Há uma parte de mim que
sente que talvez tenha feito alguma coisa errada para me ter tornado tão
popular", garante, com uma ponta de ironia. Volta a Portugal na próxima
semana. Para nos oferecer os seus objetos de desejo.
PARA ESTA cantora
norte-americana de 40 anos que professa a doutrina budista e admira Simone de
Beauvoir mas que afirma adorar Nova Iorque, porque o medo e a violência que
varrem a cidade lhe provocam excitação, o sucesso chegou devagar mas com
firmeza. Cinco álbuns foram mais que suficientes para a colocar num dos
pedestais da música popular deste século. Provavelmente ao lado de Leonard
Cohen, a sua alma gémea.
Hoje, Suzanne Vega, quer queira quer não, é uma estrela.
Os seus fãs assediam-na diariamente com centenas de cartas. De dois géneros
diferentes, representativas do tipo de emoções que a sua personalidade
desencadeia: as que começam por "I want to fuck you" e as que começam
por "I want to kill you".
O brilho de Suzanne Vega é anunciado em 1987, com o
sucesso, à escala planetária, de "Luka", uma canção do seu segundo
álbum, "Solitude Standing", sobre um rapaz submetido a maus tratos
pelos pais. Ao mesmo tempo a jovem Suzanne, filha de pais incógnitos, procura o
seu pai biológico que encontra, finalmente, na pequena cidade de Newport Beach,
na Califórnia. Imagina-o como todas as crianças imaginam os seus pais:
perfeito.
A realidade, porém, mostra-se diferente. O pai é um homem
gordo, de bochechas salientes. "Impossível chamar-lhe papá",
desabafa. Prefere imaginar como pai um tio, que vê numa fotografia. "Um
indivíduo alto, pálido e magro" que morrera anos antes, alcoolizado.
Suzanne Vega fixa-se nessa imagem e dedica-lhe uma canção, "Blood
sings". "Tinha os mesmos lábios que eu", recorda. É o princípio
de uma visão em que a realidade se confunde com o sonho, o voltar da primeira
página do seu "Book of dreams" particular. Anos depois uma mulher
envia-lhe um pacote com aparas de unhas, cabelos e uma amostra de sangue,
garantindo ser a sua mãe biológica. Suzanne entra em paranoia. "Agora já
não me sinto segura de mim. A prova é que há cada vez mais médicos nas minhas
canções. Antes eram soldados". A febre sobe aos "99,9º F",
temperatura do corpo humano ligeiramente acima da normal que dá título ao seu
álbum de 1992.
“Sem refrão nem melodia”
Filha adotiva de uma norte-americana e de um
porto-riquenho, Suzanne Vega vive a sua juventude no Harlém hispânico. Aos 9
anos descobre que aqueles não são os seus pais verdadeiros. Aceita com
dificuldade a ideia de ser branca. Começa a compor canções aos 14 anos. Sobre
temas incómodos como o isolamento, a violência e a amputação, mas em que o
distanciamento e o simbolismo estão presentes. A revolta e o sonho moldam a sua
personalidade musical. Assiste pela primeira vez a um concerto de rock, de Lou
Reed, com quem aprende que é possível compor uma canção "sem refrão nem
melodia", características que considera "limitativas".
Quando "Luka" alcança o êxito que se conhece
Suzanne opõe-se com tenacidade ao seu aproveitamento em campanhas humanitárias:
"Seria oportunismo". Em vez disso a cantora procede como uma pintora:
"Tento dar aos sentimentos das pessoas forma, cor e textura".
Após um período de rodagem nos clubes folk de Greenwich
Village, grava em 1985, com Lenny Kaye (ex-guitarrista de Patti Smith) o seu
álbum de estreia, "Suzanne Vega", envergando ainda as vestimentas
militantes das cantoras folk de protesto dos anos 60, como Joan Baez, Joni
Mitchell, Judy Collins, Laura Nyro ou Melanie. Mas na sua voz percebe-se já uma
combinação original de pureza, calor e inquietação. Deste álbum sobressai a
primeira de grandes canções, "Marlene on the wall".
"Solitude Standing", o álbum seguinte, gravado
dois anos mais tarde, inclui "Luka" e abre-lhe as portas para outros
voos. As suas canções estendem-se ao cinema ("Left of center" é
incluído na banda sonora de "Pretty in Pink", de Howard Deutch) e
imiscuem-se no minimalismo de Philip Glass, no álbum mais comercial deste
compositor, "Songs from Liquid Days".
"Book of dreams" e "Tom's Dinner" (um
bar situado na rua 102, na Broadway, que Vega costuma frequentar) fazem parte
do grupo das canções arquetípicas deste álbum. A última delas acabaria por se
tornar num "hit", após ter sido samplada pela banda "no wave"
DNA. Em 1991 seria editado um álbum só de versões deste tema, "Tom's
Album", pelos R. E. M., Nikki Sudden e Beth Watson, entre outros.
"Days of Open Hand" (1990), "99,9º F"
(1992, produzido por Mitchell Froom, com quem casou) e "Nine Objects of
Desire" (1996) fazem a transição da menina mal comportada dos primórdios
para uma observadora atenta e concentrada no envolvimento instrumental das suas
canções. Se "Days of Open Hand" ilustra este crescente interesse pela
forma, "99,9º F" representa a primeira incursão sem entraves nos territórios
da música eletrónica, enquanto "Nine Objects of Desire" se pauta por
um retorno a formas de composição mais depuradas e pela assunção da bossa nova
como uma das influências recorrentes na sua música.
Nos últimos dois anos o nascimento de Ruby alterou a sua
vida. O corpo – "O meu corpo mudou e afetou a minha voz" – e o
espírito. Como canta em "World before Columbus", que dedica à filha:
"Se o teu amor me fosse tirado, mesmo a luz mais brilhante se tornaria
difusa".
Suzanne Vega atuou em Portugal, em Cascais, em Dezembro
de 1990. Poemas de infância e letras de canções escritas antes da gravação do
seu primeiro álbum foram editadas há cinco anos no livro "Murmúrios
Urgentes" (coleção Rei Lagarto, ed. Assírio & Alvim), com tradução de
Fátima Castro Silva. O álbum mais recente, a coletânea "The Best of
Suzanne Vega, Tried and True", concretiza uma ideia antiga. Como ela diz:
"Poderia perfeitamente pegar em todas as minhas canções e voltar a
editá-las de forma diferente, para que as pessoas as pudessem experimentar
também de maneiras diferentes".
sexta-feira,
11 Junho 1999
ARTES & ÓCIOS
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