26/09/2016

Droga de guitarras [Xutos & Pontapés]

Quarta-feira, 19 Março 1997 POP ROCK

Xutos e Pontapés jogam novo álbum, novo som e nova editora

Droga de guitarras

“Dados Viciados”, o novo disco dos Xutos e Pontapés, primeiro na EMI-VC, joga os trunfos das guitarras – o “instrumento do século” –, da energia e de um som internacional. Tentámos criar um ambiente poderoso onde as canções pudessem fluir e depois ‘drogá-las’ com as guitarras”, diz Tim, para quem os Xutos passaram a ter, além da vontade, o conhecimento das regras do jogo.

Logo após a curta atuação ao vivo do grupo, na noite da passada sexta-feira, no casino da Figueira da Foz, que serviu para apresentar o novo álbum, “Dados Viciados”, Tim explicou ao PÚBLICO os lances mais recentes. Além da sorte, é preciso saber aproveitar. Quando o “jogo sai bom” deve-se “jogar o melhor que se souber”. “Dados Viciados” é o melhor jogo que os Xutos alguma vez tiveram? Fazem-se apostas.

                PÚBLICO – “Dados Viciados” é um título curioso. Qual foi a ideia?
                TIM – Bom, tivemos montes de problemas para registar os nomes. Seis canções tiveram mesmo que ser renomeadas porque já existiam outras com o mesmo nome. “Mãos de veludo”, por exemplo, teve que desaparecer. Deve ser porque, se calhar, há muita música portuguesa…
                P. – A que se deve esta mudança de editora, com a entrada para a EMI-VC?
                R. – Depois de nove ou dez anos a trabalhar com as mesmas pessoas, com os mesmos chefes, sentíamo-nos como se estivéssemos a malhar em ferro frio. Já não havia retorno. Nem a excitação, pelo nosso lado, em arranjar ideias novas para apresentar às pessoas, nem ideias novas das pessoas para nos apresentarem. Ainda por cima, com o processo que acabou com os Resistência, acabou por ser ainda mais difícil manter um diálogo coerente com a editora que tínhamos na altura.
                P. – Quais são os termos deste novo contrato?
                R. – Dois discos em três anos.
                P. – Que importância teve o produtor Ronnie Champagne na gravação de “Dados Viciados”?
                R. – O Ronnie Champagne tinha vindo cá fazer um trabalho com os Blind Zero. Conhecíamos esse trabalho e os Blind Zero, bem como a repercussão que aquele teve na estrada, que foi bastante boa. Precisávamos realmente de uma pessoa de fora, de fora mesmo, que não nos conhecesse nem como estrelas nem como músicos, mas que nos ajudasse, nos proporcionasse um trabalho coerente a um nível mundial. Algo como se fosse novo. O padrão é outro. O padrão português tem algumas limitações.
                P. – Como definiria esse novo padrão?
                R. – É um padrão de rock internacional, ou seja, uma coisa que tanto soa bem aqui como lá fora. O Ronnie fez um trabalho aqui que não vai ter vergonha de mostrar em Los Angeles, em Paris, em Xangai ou onde quer que seja. É como se nós fizéssemos na realidade parte de uma cultura rock universal.
                P. – Quer dizer que vai haver uma aposta no mercado internacional?
                R. – Não! Foi só um aproveitamento desse conhecimento. Ainda por cima, o Ronnie chegou cá e tratou-nos exatamente como nós estávamos à espera. Não sei bem explicar… É como se uma pessoa toda a vida pensasse que era defesa-direito e depois houvesse um selecionador que o chamasse mesmo para esse lugar. As coisas casaram mesmo bem. Não houve um entusiasmo por aí além, do estilo de haver um som fantástico no estúdio, mas que depois é impossível, mas apenas um trabalho muito continuado.
                P. – Quanto tempo estiveram em estúdio?
                R. – Cinco semanas a gravar, em Paços Brandão. Todos os dias. Sempre a chover, a chover…
                P. – “Dados Viciados” é sobretudo um disco com uma grande energia das guitarras. Onde é que a foram buscar?
                R. – Foi preciso, porque nós sempre achámos que éramos uma banda de guitarras, com a minha voz a cantar. Eu e o Kalu fazemos as músicas e o substrato. Mas o que faz mesmo a diferença são as guitarras, a velha fórmula que este final do século consagrou. Duas guitarras, um baixo, bateria e vozes.
                P. – Guitarras cheias de efeitos especiais, então de “fuzz” nem se fala…
                R. – Do que houver! A droga que houver é a que a gente mete! Se houver “fuzz” é “fuzz”, se houver outra coisa é outra coisa! Foi um bocado esse o espírito do disco, tentar criar um ambiente poderoso, onde as canções pudessem fluir por elas e depois conseguir “drogá-las” com as guitarras… É o instrumento deste século!
                P. – O tema é o jogo. Trata-se um álbum conceptual?
                R. – É meio! Escolhemos esse tema porque, em grande parte, para nós, já é um jogo fazer os temas dos Xutos e Pontapés. Já reflete tantas e tantas músicas para trás, tantos e tantos concertos, que agora resolvemos encarar isto como algo de que gostamos mesmo. Imagine que tem as cartas na mão e que o jogo lhe sai bom. Então deve jogar o melhor que souber.
                P. – O jogo saiu bom?
                R. – Sim. Foi esse o espírito que eu quis quando o Cabeleira solasse, que tivesse um som fascinante. Ou que o Zé Pedro tocasse de uma forma irrepreensível. Ou quando eu cantasse, o fizesse da forma mais natural.
                P. – Os Xutos estão a ficar perfecionistas, à boa maneira dos grupos dinossauros, é isso?
                R. – Dinossauros perfecionistas! Mas à nossa maneira.
                P. – Então, afinal, os dados não estão “viciados”?
                R. – O vício foi mesmo esse. Dantes não conhecíamos as regras do jogo. Íamos a jogo porque sim, só porque tínhamos vontade. Agora vamos a jogo mas sabemos. Por isso podemos permitir-nos certas coisas, mesmo no disco, de que noutros tínhamos medo. Como pôr as guitarras tão alto, fazer solos de determinada maneira ou acabar música sem ser no refrão. Coisas que, se calhar, as pessoas podem não perceber mas que para nós, músicos, tem muito a ver com o “88” ou com o “Circo de Feras”, discos que estabilizaram a nossa maneira de ser e que nós, já desde 1992, tentamos quebrar, mas agora, além da vontade, com saber.
                P. – “Dados Viciados” foi feito a pensar na estrada? Dá ideia que vai funcionar bem ao vivo…
                R. – Deus queira que sim! Nós pensámos nisso. A maior parte da nossa energia e do nosso prazer vem de tocarmos ao vivo.
                P. – Onde é que os dados estão mais viciados: no futebol, na política ou na música?
                R. – Na música não estão. No futebol estão bastante. Na política deve estar quase igual ao futebol.
                P. – Qual foi o trunfo mais forte que os Xutos jogaram neste disco?
                R. – Trabalho.

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