Quarta-feira, 19 Março 1997 POP
ROCK
Xutos e Pontapés
jogam novo álbum, novo som e nova editora
Droga de guitarras
“Dados Viciados”, o novo disco dos
Xutos e Pontapés, primeiro na EMI-VC, joga os trunfos das guitarras – o
“instrumento do século” –, da energia e de um som internacional. Tentámos criar
um ambiente poderoso onde as canções pudessem fluir e depois ‘drogá-las’ com as
guitarras”, diz Tim, para quem os Xutos passaram a ter, além da vontade, o
conhecimento das regras do jogo.
Logo após a
curta atuação ao vivo do grupo, na noite da passada sexta-feira, no casino da
Figueira da Foz, que serviu para apresentar o novo álbum, “Dados Viciados”, Tim
explicou ao PÚBLICO os lances mais recentes. Além da sorte, é preciso saber
aproveitar. Quando o “jogo sai bom” deve-se “jogar o melhor que se souber”.
“Dados Viciados” é o melhor jogo que os Xutos alguma vez tiveram? Fazem-se
apostas.
PÚBLICO
– “Dados Viciados” é um título curioso. Qual foi a ideia?
TIM – Bom, tivemos montes de
problemas para registar os nomes. Seis canções tiveram mesmo que ser renomeadas
porque já existiam outras com o mesmo nome. “Mãos de veludo”, por exemplo, teve
que desaparecer. Deve ser porque, se calhar, há muita música portuguesa…
P.
– A que se deve esta mudança de editora, com a entrada para a EMI-VC?
R. – Depois de nove ou dez anos
a trabalhar com as mesmas pessoas, com os mesmos chefes, sentíamo-nos como se
estivéssemos a malhar em ferro frio. Já não havia retorno. Nem a excitação,
pelo nosso lado, em arranjar ideias novas para apresentar às pessoas, nem
ideias novas das pessoas para nos apresentarem. Ainda por cima, com o processo
que acabou com os Resistência, acabou por ser ainda mais difícil manter um
diálogo coerente com a editora que tínhamos na altura.
P.
– Quais são os termos deste novo contrato?
R. – Dois discos em três anos.
P.
– Que importância teve o produtor Ronnie Champagne na gravação de “Dados
Viciados”?
R. – O Ronnie Champagne tinha
vindo cá fazer um trabalho com os Blind Zero. Conhecíamos esse trabalho e os
Blind Zero, bem como a repercussão que aquele teve na estrada, que foi bastante
boa. Precisávamos realmente de uma pessoa de fora, de fora mesmo, que não nos
conhecesse nem como estrelas nem como músicos, mas que nos ajudasse, nos
proporcionasse um trabalho coerente a um nível mundial. Algo como se fosse
novo. O padrão é outro. O padrão português tem algumas limitações.
P.
– Como definiria esse novo padrão?
R. – É um padrão de rock
internacional, ou seja, uma coisa que tanto soa bem aqui como lá fora. O Ronnie
fez um trabalho aqui que não vai ter vergonha de mostrar em Los Angeles, em
Paris, em Xangai ou onde quer que seja. É como se nós fizéssemos na realidade
parte de uma cultura rock universal.
P.
– Quer dizer que vai haver uma aposta no mercado internacional?
R. – Não! Foi só um
aproveitamento desse conhecimento. Ainda por cima, o Ronnie chegou cá e
tratou-nos exatamente como nós estávamos à espera. Não sei bem explicar… É como
se uma pessoa toda a vida pensasse que era defesa-direito e depois houvesse um
selecionador que o chamasse mesmo para esse lugar. As coisas casaram mesmo bem.
Não houve um entusiasmo por aí além, do estilo de haver um som fantástico no
estúdio, mas que depois é impossível, mas apenas um trabalho muito continuado.
P.
– Quanto tempo estiveram em estúdio?
R. – Cinco semanas a gravar, em
Paços Brandão. Todos os dias. Sempre a chover, a chover…
P.
– “Dados Viciados” é sobretudo um disco com uma grande energia das guitarras.
Onde é que a foram buscar?
R. – Foi preciso, porque nós
sempre achámos que éramos uma banda de guitarras, com a minha voz a cantar. Eu
e o Kalu fazemos as músicas e o substrato. Mas o que faz mesmo a diferença são
as guitarras, a velha fórmula que este final do século consagrou. Duas
guitarras, um baixo, bateria e vozes.
P.
– Guitarras cheias de efeitos especiais, então de “fuzz” nem se fala…
R. – Do que houver! A droga que
houver é a que a gente mete! Se houver “fuzz” é “fuzz”, se houver outra coisa é
outra coisa! Foi um bocado esse o espírito do disco, tentar criar um ambiente
poderoso, onde as canções pudessem fluir por elas e depois conseguir
“drogá-las” com as guitarras… É o instrumento deste século!
P.
– O tema é o jogo. Trata-se um álbum conceptual?
R. – É meio! Escolhemos esse
tema porque, em grande parte, para nós, já é um jogo fazer os temas dos Xutos e
Pontapés. Já reflete tantas e tantas músicas para trás, tantos e tantos
concertos, que agora resolvemos encarar isto como algo de que gostamos mesmo.
Imagine que tem as cartas na mão e que o jogo lhe sai bom. Então deve jogar o
melhor que souber.
P.
– O jogo saiu bom?
R. – Sim. Foi esse o espírito
que eu quis quando o Cabeleira solasse, que tivesse um som fascinante. Ou que o
Zé Pedro tocasse de uma forma irrepreensível. Ou quando eu cantasse, o fizesse
da forma mais natural.
P.
– Os Xutos estão a ficar perfecionistas, à boa maneira dos grupos dinossauros,
é isso?
R. – Dinossauros perfecionistas!
Mas à nossa maneira.
P.
– Então, afinal, os dados não estão “viciados”?
R. – O vício foi mesmo esse. Dantes
não conhecíamos as regras do jogo. Íamos a jogo porque sim, só porque tínhamos
vontade. Agora vamos a jogo mas sabemos. Por isso podemos permitir-nos certas
coisas, mesmo no disco, de que noutros tínhamos medo. Como pôr as guitarras tão
alto, fazer solos de determinada maneira ou acabar música sem ser no refrão.
Coisas que, se calhar, as pessoas podem não perceber mas que para nós, músicos,
tem muito a ver com o “88” ou com o “Circo de Feras”, discos que estabilizaram
a nossa maneira de ser e que nós, já desde 1992, tentamos quebrar, mas agora,
além da vontade, com saber.
P.
– “Dados Viciados” foi feito a pensar na estrada? Dá ideia que vai funcionar
bem ao vivo…
R. – Deus queira que sim! Nós
pensámos nisso. A maior parte da nossa energia e do nosso prazer vem de
tocarmos ao vivo.
P.
– Onde é que os dados estão mais viciados: no futebol, na política ou na
música?
R. – Na música não estão. No
futebol estão bastante. Na política deve estar quase igual ao futebol.
P.
– Qual foi o trunfo mais forte que os Xutos jogaram neste disco?
R. – Trabalho.
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