26/09/2016

Waterson:Carthy - Common Tongue

Quarta-feira, 16 Abril 1997 POP ROCK

world

Inglaterra com “balls” e “clitzpath”

WATERSON:CARTHY
Common Tongue (9)
Topic, distri. Megamúsica

no anúncio publicado na “Folk Roots” deste mês, o novo álbum da família Waterson/Carthy é genericamente identificado como a “lei folk”. Uma noção de excelência e autoridade absolutas que não peca por excesso, já que as duas gerações unificadas neste projeto familiar representam, de facto, hoje, a melhor síntese do passado, do presente e do futuro da música tradicional inglesa. Uma “englishness” que não se pode confundir com a fossilização da tradição oral – como bem frisa Martin Carthy na nota de contracapa, fazendo a comparação com a popularidade e difusão de que goza, atualmente, a música da Irlanda e da Escócia –, mas que também não consente qualquer tipo de poluição fusionista que venha lançar poeira nos olhos em nome dessa pureza inatingível.
                Carthy insiste na vantagem de não erguer fronteiras míticas que releguem a música para um “gueto”, mas vai dando um recado a eventuais oportunistas, reforçando, a par dessa abertura de espírito, a ideia de que esta é uma música “genuinamente inglesa”, onde o “instinto” posto pelos músicos na interpretação não anula a noção de “identidade”. Aproveita ainda para dedicar “Common Tongue” a dois paladinos dessa tal “englishness”, ambos falecidos no ano passado, Dennis Potter e Walter Pardon.
                É precisamente essa identidade, forjada ao longo de três décadas no seio da família, nos álbuns dos The Watersons como no trabalho de Martin Carthy, a solo, ou com o violinista Dave Swarbrick, antes de este entrar para os Fairport Convention, que impõe e justifica o caráter dominante do projeto Waterson:Carthy.
                O álbum anterior, “Waterson:Carthy”, é uma obra-prima, como obra-prima é o álbum de outro membro da família, Lal Waterson, com o guitarrista Oliver Knight, “Onde in a Blue Moon”. Ambos exemplares gloriosos dessa arte musical que transporta para a atualidade o mito do jardim edénico sobre o qual mergulham os alicerces e assentam os pilares da velha Albion. “Common Tongue” é talvez um nadinha inferior à estreia.
                A vocalização de Eliza Carthy denota algumas hesitações em “Cloudy banks” (gravado originariamente em cilindro pelo compositor erudito Vaughan Williams, por volta de 1908 ou 1910), embora melhore bastante em “Maid lamenting”. Mas se Eliza não é ainda, nem, dada a sua idade, poderia ser, uma cantora ao nível da sua mãe ou da sua tia Lal, já como violinista o seu desempenho é simplesmente notável, na "suite" “Grand march in the battle of Prague/The Liverpool hornpipe/The Wellington hornpipe”, e de uma elegância e jovialidade tocantes em “French stroller”. Quanto aos seus progenitores, de cada vez que cantam, é como se um mundo inteiro se revelasse para nos esmagar com o peso da sua força e da sua emoção. Martin Carthy arrasa, com o seu estilo inconfundível, entre o tom trovadoresco da Idade Média e o intervencionismo social, em “Rockabello” e “Hares in the old plantation”. Norma Waterson é um oceano. Ou um vinho ao qual os anos foram conferindo infinitas “nuances”. Escutem-na, com devoção, em “Lowlands of Holland”, “Meeting is a pleasure” (apoiada por um coro que inclui Lal, Eleanor e Mike Waterson), “Flash company” e “Polly’s love”. A cada audição percebemos que o fundo está sempre um pouco mais fundo, até chegarmos à raiz do próprio canto. Ouçam-na outra e outra vez cantar “Lowlands of Holland”. Não é verdade que a felicidade, de tão intensa, pode provocar as lágrimas?
                “American stranger” e “Stars in my crown” revivem as típicas polifonias dos Watersons de antanho, dando razão uma vez mais, a Martin Carthy, quando, a propósito do tantas vezes ignorado reportório inglês, afirma que este tem “balls” que cheguem para desafiar toda a gente. Tanto como o seu contraponto feminino, a “excelentemente designada” “clitzpath”...

 NOTA: Duas correções, relativas à semana passada. 1) Os álbuns de Hassan Erraji, Eduardo Niebla e Emma Juanro são distribuídos em Portugal pela Movieplay e não pela MVM, como erradamente se escreveu. 2) Joannie Madden já pertencia às Cherish the Ladies antes da gravação do novo álbum “New Day Dawning”, não fazendo, por isso, sentido, falar da sua entrada para o grupo a propósito deste disco. As nossas desculpas.

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