05/10/2008

Naked City - Torture Garden

Pop Rock

10 JULHO 1991

CADA VEZ MAIS RÁPIDO

NAKED CITY
Torture Garden
LP, Earache, distri. Anónima

Mais rápido, mais curto, mais forte parece ser o lema do saxofonista delirante John Zorn, bem acolitado nos Naked City, por Fred Frith, imperturbável, no baixo, Wayne Horvitz, nos teclados, Bill Frisell, guitarra, e Joey Baron, bateria – a mesma formação que nos visitou no ano passado, com regresso marcado já para amanhã, na Aula Magna da Universidade de Lisboa. De John Zorn, cérebro e grito do projecto, já se sabia o gosto pelo confronto de extremos, pela dialéctica de opostos, resolvida (ou não) num discurso delirante, em que todos os géneros musicais disponíveis valem como diferentes células de um tecido heteróclito, cuja essência é a própria diversidade.
Nos Naked City, a principal diferença em relação a obras como “The Big Gundown”, “Spillane” ou o fabuloso tema incluído na homenagem “Godard, ça vous chante?” reside no factor “compressão”. Enquanto que nos títulos citados a sequência alucinada (e aparentemente aleatória) dos diversos estilos de desenvolve de forma, digamos, natural, ou, pelo menos, liberta dos imperativos temporais (as faixas podiam ocupar um lado inteiro de um álbum), nos Naked City tudo se comprime e sintetiza num instante. Em “Torture Garden”, apenas duas faixas excedem a “eternidade” dos 60 segundos.
Referências óbvias, o “thrash metal”, o “hard core”, o “speed metal”, e por aí fora, como se Zorn tivesse regredido às pulsões primárias do “Heavy”, não chegam para justificar esta apetência pelo vórtice e a ânsia de chegar o mais rapidamente possível a lado nenhum. Passando ao lado da “gritaria”, tornada esteticamente respeitável, do “free jazz”, onde obviamente o saxofonista se sente mais do que à vontade, convirá talvez procurar as raízes do estertor em razões de ordem sexual.
Com efeito, é mais do que evidente o carácter “orgásmico” da música do quinteto. Como tudo se resolve numa questão de segundos, será lícito encarar cada faixa como uma ejaculação precoce, uma “igneous ejaculation”, referida num dos títulos. O disco divide-se num lado “sado" e noutro “maso”. As gravuras da capa (da autoria de Maruo Suehiro), tão atraentes quanto repelentes, também não enganam. Trata-se enfim de uma sucessão de explosões libertadoras de energia e fogo concentrados em que cada “canção”, paradoxalmente, funciona como um buraco negro que tudo suga à sua volta, neste caso as músicas todas que se julgavam a salvo: o jazz, o rock, o cabaré, a country, os blues, a electrónica, a música erudita e outras de que não me lembro agora, reduzidas à vacuidade e ao papel de simples “carne para canhão”.
O limite desta carnificina é, como não podia deixar de ser, a morte, como aliás o próprio Zorn fez questão de salientar, em entrevista concedida ao PÚBLICO, quando da sua primeira visita ao nosso país. A mesma morte, inevitável e desejada pelos dois amantes do “Império dos Sentidos”, de Oshima, esgotados os jogos sexuais sadomasoquistas (houve que lhe chamasse amorosos, sem perceber nada do que é o amor…), perpetuadores de um movimento infernal que, na vertigem e na repetição, se perde na ausência de sentido. Dicotomia prazer/morte bem expressa de resto no próprio título, a fazer lembrar o “Jardim dos Suplícios”, de Octave Mirbeau. Tudo isto partindo do princípio de que John Zorn e os companheiros não estão, pura e simplesmente, a gozar com o pagode, só para se deliciarem com o “perfume of a critic’s burning flesh”… ****

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