03/10/2008

Humano demasiado desumano

Pop Rock

30 OUTUBRO 1991

HUMANO DEMASIADO DESUMANO

Chega de crueldade. Sabe-se como os animais são pau para toda a obra. Em nome do progresso ou da vaidade humana, mata-se e destrói-se, no fundo, uma parte de nós mesmos. Disposto a enfrentar a situação, o PETA luta em várias frentes pela causa animal. Contra os dislates da besta humana, com a música de “Tame Yourself” a ajudar.

No reino animal, como nos outros, há bons e maus filhos e enteados. Há animais simpáticos, sem sombra de dúvida: o cão, o golfinho, a baleia, o esquilo, o panda, etc. Outros provocam uma indisfarçável repulsa: os vermes, as ratazanas, a lesma, algumas espécies de políticos ou os insectos em geral.
O ser humano tem o costume de dizimar indiscriminadamente uns e outros. No primeiro caso, trata-se de uma atrocidade. No segundo, de uma desinfestação. Matar um vison, para a confecção de um casaco que irá resguardar do frio um ser humano “desprotegido”, é uma atrocidade. Mas envenenar milhares de ratazanas que fazem pela vida na cidade, é uma desinfestação.
Grita-se de indignação ao mínimo gesto mais brusco para com um okapi do Alto Volta. Mas pontapear uma barata indefesa contra a parede, provocando-lhe fractura de crânio e outras lesões por vezes fatais, é considerado uma acção desejável, encorajada com um sorriso nos lábios.
Dá-se um ligeiro toque num urso polar e logo surge, lesto, o Greenpeace de polegar acusador a gritar: “Extermínio!” mas quando num laboratório se assassina, de uma penada, milhões de micróbios com uma única vacina, toda a gente desvia o olhar e finge que não vê.

Brincadeiras proibidas

Trata-se de uma problemática a que foram sensíveis músicos como Nina Hagen, Lene Lovich, Michael Stipe (nos últimos tempos tem ido a todas), K. D. Lang, Belinda Carlisle, Jane Wiedlin e os grupos Raw Youth, B-52’s, Erasure, Go-Go’s, Índigo Girls e Pretenders. Todos juntos resolveram gravar um disco em defesa dos direitos dos animais, intitulado “Tame Yourself” (já criticado no Pop Rock), sob os auspícios do PETA (People for the Ethical Treatment of Animals). “Pet” quer dizer em inglês “animal de estimação”. Não é peta, é verdade. Fazem falta mais “PETAs" como esta, neste mundo-cão.
O tema que dá nome ao álbum, “Tame yourself” foi escrito pela nova banda Raw Youth, cujos membros aparecem, no “clip” promocional, envergando fatos de banho de pele falsa. No mesmo teledisco, aparecem ainda Chrysse Hynde, dos Pretenders, Fred Schneider e Kate Piersen, dos B-52’s, Howard Jones e outros, “dançando e brincando com vacas, porcos, cavalos e outros animais”, como diz a promoção. Vamos todos brincar e dançar com as vacas e os porcos, e dar uma ajudinha à PETA.
Os lucros de “Tame Yourself” destinam-se a apoiar várias iniciativas, empenhadas em pôr fim à “crueldade para com animais nas indústrias de cosméticos, laboratórios experimentais e no comércio de peles”. Ainda segundo a promoção, o álbum “celebra a vida, sem alienar aquelas pessoas que comem carne e vestem peles”. Porquê sem alienar? Tais pessoas deviam ser todas, e já, alienadas. Alienem-nas, para acabar de vez com esse gesto bárbaro que é comer um bife. Já agora, e sem querer desestabilizar, convém saber que também as plantas têm sentimentos, reagindo, tal como nós, à dor e à adversidade. Parece que até os iogurtes sentem. Está cientificamente provado.
Especificamente sobre o problema dos animais abatidos para o fabrico de peles, realizaram-se vários espectáculos (o de Washington atraiu, junto ao monumento, cerca de 35.000 pessoas), sob o título genérico “Rock against Fur”, nos quais participaram, entre outros, os B-52’s, Howard Jones, 10.000 Maniacs, Psychedelic Furs (precisamente…) e Sugarcubes.

O Homem contra a Natureza

É possível brincar com coisas sérias. Mas sabe-se como os animais são maltratados: costuma dizer-se que, pela maneira como cada um lida com os animais, assim lida com os humanos, e é verdade. Será utópico querer parar de repente com a violência que, em nome da ciência ou da vaidade humana, se comete, a cada momento, contra os animais e contra a natureza em geral?
O PETA já conseguiu resultados práticos. Campanhas efectuadas na Europa e na Austrália resultaram na proibição de utilizar animais em testes nas firmas Revlon, Avon, Benetton, Estée Lauder; a redução mundial das encomendas de casacos de pele; o encerramento, na Coreia do Sul e em Montana, EUA, de quintas de criação de animais, destinados exclusivamente à indústria de peles, ou do maior matadouro de cavalos da América do Norte. O fecho de um laboratório, pelo Governo americano, que levou, inclusive, à prisão de um vivisseccionista (embalsamador) e a denúncia sistemática das atrocidades cometidas sobre os animais, nos laboratórios, nos circos, nos zoos e em espectáculos são outras das vitórias alcançadas pelo PETA.
Mas a situação não se alterará radicalmente, enquanto o homem persistir em considerar-se o rei da criação. Enquanto encarar a natureza como uma matéria bruta a explorar em seu proveito. Enquanto não compreender que a vida é constituída por um elo único. Enquanto não admitir a sua própria estupidez.
Enquanto assim for, não há PETA que nos valha, ou melhor, que valha aos irmãos animais.

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