11/10/2016

Família Waterson:Carthy esteve apagada

CULTURA
DOMINGO, 3 FEV 2002

Crítica Música

Família Waterson: Carthy esteve apagada

Festival das Músicas e dos Portos
WATERSON:CARTHY
Lisboa, Teatro Camões.
Início cerca das 22h30.
Sala praticamente cheia

Contrariando um pouco as expetativas, a estreia nacional ao vivo da família Waterson/Carthy, sábado, no Teatro Camões, em Lisboa, incluída no Festival das Músicas e dos Portos e com a sala quase cheia, não terá sido exatamente o “concerto folk do milénio”, como se previa. Mas é provável que tenha sido o concerto do mês… ou da semana… ou do… Bem, foi de certeza o melhor concerto de sábado, descontando o de Ildo Lobo que também se realizou na mesma noite.
Já devem os leitores ter notado, pelo preâmbulo, uma ligeira sensação de desilusão da nossa parte. Assim é. Esperávamos bastante mais do concerto dos Waterson:Carthy, composto por dois nomes míticos da folk inglesa: Norma Waterson e Martin Carthy, aos quais se junta a filha de ambos, Eliza Carthy, já uma notável violinista e a caminho de se tornar, como os pais, uma cantora de exceção. A estes juntou-se ainda para este concerto um jovem tocador de concertina, Saul Rose, que, por sinal, não faz parte da família.
Também não ajudou a escolha de um auditório com as características do Teatro Camões, demasiado grande e frio para sustentar o intimismo e anti-espetacularidade da música dos Waterson:Carthy.
Além disso, ficou a ideia de o concerto ter sido mal preparado. Sobraram intervalos excessivos nos quais nada acontecia e hesitações, como quando Norma Waterson se voltou para trás para perguntar ao marido em que tom iria ser tocada uma das canções. Eliza Carthy, por seu lado, um portento na arte de mal vestir, pareceu atemorizada, cantando com um fio de voz temas indiscutivelmente exigentes do ponto de vista técnico que, deste modo, não tiveram a necessária componente emocional a acompanhá-los. Já no violino, quis soltar-se mas aqui imperou – suspeitamos – a tirania do pai, maestro e ideólogo do grupo, a impor disciplina e a impedir quaisquer veleidades que pudessem apontar para a extroversão.
Porque a música dos Waterson:Carthy, sublime em álbuns como “Waterson:Carthy”, “Common Tongue” e “Broken Ground” (um quarto está já na calha), é uma música de interiores e de silêncios, para se ouvir em recolhimento. No Teatro Camões, pelo contrário, as notas e os sentimentos andaram à deriva, sem paredes nem a respiração próxima do público a aconchegá-los. Faltou comunicação, proximidade, partilha.
Claro que Norma Waterson cantou como só ela sabe, parecendo rezar, e que Martin Carthy ofereceu uma amostra razoável do registo épico que consegue imprimir a baladas cuja espiritualidade evoca a dos trovadores medievais. Mas faltou à atuação do grupo, unidade e convicção, na forma como os músicos pareciam estar apartados da plateia, obscurecidos por uma incompreensível distância e retraimento. E quando a dada altura se acendeu uma chama de promessa de coisas mais quentes e excitantes, com Eliza Carthy a executar um tema instrumental em gaita-de-foles: o espanto. Era o fim de um concerto que apenas durara pouco mais de meia hora. Sem apoteose nem a esperada e merecida consagração, embora o público tivesse aplaudido de pé, cremos que mais por deferência do que por genuíno entusiasmo…
Assim, de sagrado, apenas se teve o contacto físico com personalidades que fizeram e fazem a História da folk na Grã-Bretanha, a par da certeza de que esta é uma música suspensa de algo muito frágil: a dança das almas. Mas estas nem sempre estão para aí viradas, remetendo-se a um silêncio que alberga a solidão. Na fria noite lisboeta, a família Waterson:Carthy esteve nessa lugar.


EM RESUMO


Desilusão Norma Waterson e Martin Carthy são mitos. Mas, em Lisboa, a música que ofereceram soou desligada e sem chama.

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