15/10/2016

Maria João Pires premiada pela UNESCO

CULTURA
DOMINGO, 23 JUNHO 2002

Maria João Pires premiada pela UNESCO

POR OBRA DESENVOLVIDA NO CENTRO DE BELGAIS

A pianista irá receber o Prémio de Música 2002, “por ser uma grande pianista que não se ficou por aí e se lançou num ambicioso projeto social e cultural”

A pianista portuguesa Maria João Pires foi distinguida com o Prémio de Música 2002, atribuído anualmente pela UNESCO em parceria com o International Music Council, pela sua obra de dinamização no Centro para o Estudo das Artes de Belgais (Beira Baixa), fundado há quase três anos.
                O galardão, de grande prestígio, é atribuído a instituições ou pessoas que se destacam por "ir além da sua atividade normal, do seu trabalho", em prol da música, como explicou ao PÚBLICO, Paul Mollet, diretor executivo daquela instituição, cuja importância foi agora reconhecida internacionalmente.
                De acordo com o mesmo responsável, esta distinção tem um significado muito especial, não só para a intérprete, como para o próprio centro que ainda recentemente correu o risco de fechar as portas, por falta de apoios financeiros. "Não foi pelo facto de ser uma grande pianista, mas por ser uma grande pianista que não se ficou por aí e se lançou num ambicioso projeto social e cultural". "É uma pessoa que já recebeu imensos prémios e não liga muito a isso, mas agora que estamos numa fase, ao fim de dois anos, em que continuamos com os problemas normais numa instituição deste tipo, nomeadamente a falta de dinheiro, a atribuição do prémio dá-nos uma maior relevância nacional. É quase um aval da UNESCO", conclui.
                O Centro de Belgais desenvolve um trabalho educativo, cultural e social "dirigido a um público-alvo completamente diferente" daquele que habitualmente ouve e consome música clássica nos centros urbanos. "Temos workshops internacionais sobre vários instrumentos, em que trazemos os melhores talentos de todo o mundo. Há três semanas fizemos um sobre piano que contou com intérpretes do Chile, Indonésia, EUA, França, Brasil, Israel e Japão... Escolhemos os melhores e eles fazem dez dias intensivos de trabalho". O Centro organiza ainda concertos, incluindo os recitais que se seguem a cada "workshop", também abertos ao público.
                Além da descentralização, é uma maneira positiva de desdramatizar, digamos assim, a apresentação da música clássica, tirando-a dos auditórios bem vestidos e bem pensantes da cidade, para a integrar num cenário sem pressões, mais perto da Natureza e do silêncio que permite escutar as fontes do som. "Sim, a nossa política é essa, levamos ao Centro pessoas sem viatura própria... E vamos aos centros culturais, às aldeias, a salões de festas...", diz Paul Mollet.
                Entre as atividades regulares do centro, figuram um coro profissional infantil com mais de 40 vozes, diversos ateliers (cerâmica, poesia, ambiente), concertos e cursos internacionais destinados a estudantes de música.
                A articulação faz-se também com o governo, que apoia o Centro com uma verba anual de 110 mil euros. Nesse âmbito, Belgais ocupar-se-á, no próximo ano letivo, de uma experiência-piloto ao nível do ensino básico: uma escola primária cedida pelo Estado na aldeia de Mata vai ser palco de um projeto que concilia estudo e artes.
                Além do apoio oficial, o Centro, que estatutariamente é uma Organização Não Governamental, conta com a colaboração de duas empresas, a EDP e o Banco Português de Negócios. Ainda assim, permanecem carências financeiras, dada a diversidade de tarefas que exigem continuado investimento.

“Um dia tremendo”
O PÚBLICO tentou ontem falar com Maria João Pires, que interpretava à noite obras de Beethoven, em Belgais, mas não foi possível, até porque era "um dia tremendo", segundo a sua assistente, Rosário Veiga. A pianista segue hoje para Londres, onde, depois dos "ensaios intensivos" de amanhã, dará um concerto no Royal Festival Hall.
                O galardão da UNESCO, com um valor pecuniário simbólico de 2500 euros, será entregue em Novembro na cidade alemã de Aachen, em cerimónia marcada para os dias 8 e 9, que inclui a realização de um recital pela pianista que em 2001 gravou em Belgais o álbum "Moonlight", preenchido por três sonatas de Beethoven.
                A candidatura de Maria João Pires ao Prémio foi formalizada à UNESCO e ao International Music Council pelo Ministério da Cultura português, juntando-se a uma lista de 74 outras propostas, de vários pontos do mundo. O mesmo prémio já contemplou duas vezes Portugal, tendo sido atribuído à Fundação Calouste Gulbenkian nos anos 80 e ao compositor Emmanuel Nunes, em 1999.
                Como consta dos regulamentos, esta distinção contempla também uma instituição, pelo que o júri consagrou ainda, em 2002, o Centro de Músicas Tradicionais do Sultanato de Omã.


Fernando Magalhães com Lusa

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