23/10/2016

Rádio livre [Carlos Barretto Trio]

JAZZ
DISCOS
PÚBLICO 12 OUTUBRO 2002

Rádio livre

O jazz português está vivo, de boa saúde e alimenta-se bem. Num meio pequeno, há quem seja grande. Ou que, não o sendo ainda, deseje crescer. Uma boa alimentação é, de resto, indispensável para um crescimento saudável. O músico de jazz alimenta-se da história, da aprendizagem técnica, do hábito de tocar e, acima de tudo, de si próprio. Carlos Barretto, contrabaixista, alimenta-se de tudo isto e ainda por cima teve em “Radio Song” a feliz ideia de introduzir na dieta um suplemento vitamínico chamado Louis Sclavis. Sclavis é vitamina A, B, C, D, o alfabeto todo, funcionando nesta gravação da mesma maneira que Jardel no jogo do Sporting, da semana passada. Basta estar lá para tudo em seu redor funcionar melhor, com a vantagem de não cair. Sclavis participa em apenas três das dez faixas – “Distresser”, “On verra bien” e “Asa celta” (celtismo que o francês já ensaiara, com André Ricros, em “Le Partage des Eaux”) mas é suficiente, como se costuma dizer, para levar tudo atrás. Mais uma força de expressão do que outra coisa, porque, se repararmos bem, a assinatura da composição pertence ao português. Os clarinetes e saxofones de Sclavis são como o vento, nunca se sabe para que lado sopram, mas sopram sempre para o lado certo. Barretto soube ser parceiro à altura, não servindo de barreira, como tantos, por receio ou despeito, fazem, mas amparando os golpes, mais, dando-lhes terreno fértil, ar, espaço e sentidos para explorar. Carlos Barretto, seja enquanto solista (e são vários e excelentes os solos que rubrica em “Radio Song”), voz dialogante (notável a segurança e precisão como responde e interroga o francês em “On verra bien”) ou como peça de suporte, é um músico adulto, cuja originalidade se alicerça na segurança dos recursos técnicos. Como deve ser. Ainda por cima sabe dançar, fazendo disso prova no título-tema. Mário Delgado, na guitarra (litúrgico, nas tonalidades frisellianas com que estabelece conversa profunda, a dois arcos, com Barretto, em “Espírito da solidão”) e José Salgueiro, na bateria e percussões (dá gosto vê-lo liberto das obrigações étnicas dos Gaiteiros de Lisboa…), são-no de igual modo e é precisamente, e também, porque nenhum deles tem algo a provar que o equilíbrio funciona como coordenada não fixa e o jogo se faz sem receios nem pés atrás. Um dos maiores discos de jazz feito em Portugal nos últimos anos.

Carlos Barretto Trio
Radio Song
CBTM
9|10

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