27/10/2016

Elliott Sharp com os dentes cravados nos "blues" no CCB

CULTURA
DOMINGO, 24 FEV 2002

Elliott Sharp com os dentes cravados nos “blues” no CCB

Elliott Sharp é um monstro. A sua música é monstruosa. Mas pode abanar-nos com outro tipo de energia. Por exemplo, os blues. Mais concretamente, com o coletivo Terraplane, além de si, composto por Sam Furnace (saxofones barítono e alto, discípulo de Julius Hemphill), David Hofstra (baixo elétrico e tuba, tocou com Otis Rush, os Contortions, de James White, e os Lounge Lizards), Sim Cain (ex-Rollins Band, bateria e percussão eletrónica) e os cantores Eric Mingus (filho do mito, Charlie Mingus) e Dean Bowman, que esta noite atua no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, para apresentar “Blues for Next”.
            Expliquemo-nos melhor. Sharp (“aguçado”, nem de propósito, um apelido como este...) é um monstro, não exatamente pelo seu aspeto de vampiro, não propriamente sagrado, porque o seu nome não consta da bíblia do mainstream ou das listas de músicos bem comportados, mas porque a sua música é um híbrido dantesco cujo efeito físico e psicológico no ouvinte pode ser devastador.
            Sharp abriu as mandíbulas no seio, salvo seja, da cena downtown de Nova Iorque, fazendo furor e alarido no albergue para todas as loucuras que é o clube Knitting Factory. Toca guitarra (de dois braços) mas de maneira diferente da de qualquer outro guitarrista, à exceção, talvez, de Hendrix, que conseguia ser ainda mais lunático do que ele.
            Mas Elliott Sharp, além de executante sonoro do caos, é também um matemático. As suas descargas diluvianas de energia são ordenadas segundo a teoria dos fractais e de rigorosas estruturas harmónicas. Até certo ponto, entenda-se, aquele ponto além do qual o cérebro deixa de ter as rédeas na mão (sim, o cérebro tem mãos!...) e cede o poder aos instintos. Um álbum como “Virtual Stance” é um “wall of sound” milimétrico de labaredas digitais e labaredas de guitarra incandescente. Um elefante cibernético a fazer contas de cabeça no meio de um incêndio.
            “Larynx”, com o projeto Carbon, outro álbum avassalador, rasteirava o rock e “In the Land of the Yahoos” colou um rótulo novo na pop eletrónica, anunciando terríveis mutações. Outra ideia posta em prática em forma de abalo — físco, emocional e musical — chamava-se “Tectonics” — um terramoto de eletricidade e riffing esquizofrénico (o esquizofrénico, recorde-se, pode usar uma lógica inquebrantável...).
            Sharp tocou com e tocou em JohnZornspeedmetal-BillLaswellshardcore-Zeena Parkinsrock-JackdeJohnettepopfúria. Um magma em ebulição que o guitarrista (e saxofonista...) remexe e ordena segundo as suas próprias contas e pulsões. Agora, com os Terraplane, o que acontecerá aos blues?

Elliot Sharp’s Terraplane
LISBOA Gande Auditório do Centro Cultural de Belém
Às 21h30. Tel. 213612560.
Bilhetes entre 7,50 e 17,50 euros

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