12/12/2016

Cathy no monte dos vendavais [Festival Intercéltico do Porto]

Músicas

DERVISH NO 10º FESTIVAL INTERCÉLTICO DO PORTO

CATHY NO MONTE DOS VENDAVAIS

Com nova mudança de sala, do Rivoli para o Coliseu, o Festival Intercéltico arranca hoje no Porto. Regressa uma das maiores bandas irlandesas da atualidade, os Dervish, com a cantora Cathy Jordan, senhora de uma voz e de um carisma arrasadores. Um vendaval de génio a abençoar a consagração dos bretões Tri Yann e a esgrimir razões com as heresias trazidas de Espanha por Xosé Manuel Budiño e Celtas Cortos. Num toque de luxo, vai poder beber-se um copo na companhia dos Magna Carta...

TUDO A POSTOS para mais um Intercéltico. A música folk de raiz celta regressa à cidade do Porto na 10ª edição deste festival que hoje tem início, pelas 22h, com concertos dos portugueses Adufe e dos espanhóis Celtas Cortos. O programa do fim-de-semana continua no sábado com espetáculos do galego Xosé Manuel Budiño e dos irlandeses Dervish, terminando no domingo com os Tri Yann, oriundos da Bretanha.
Este ano o Intercéltico voltou a trocar de local. Depois dos primórdios no Teatro Rivoli, de uma larga estadia no Cinema do Terço e do regresso, o ano passado, a um Rivoli remodelado, o festival tem lugar no Coliseu, sala maior, capaz de transmitir ao evento uma outra dimensão.
Da programação destaca-se, com larga vantagem sobre a concorrência, a presença dos Dervish, sem sombra de dúvida uma das mais importantes formações de folk irlandesa da atualidade, num regresso ao Intercéltico (onde tocaram em 1994) que constituirá uma merecida apoteose do grupo em Portugal. Longe vão os tempos em que – ainda como quinteto masculino exclusivamente dedicado à interpretação do reportório tradicional de Sligo – os Dervish se assumiam como grupo regional, chamando, em 1989, ao seu álbum de estreia, "The Boys of Sligo". Com a entrada no grupo, dois anos mais tarde, da cantora Cathy Jordan, senhora de uma voz e de um carisma arrasadores (que o diga quem presenciou a sua atuação no Porto, em 1994) tudo se transformou, iniciando-se um período de evolução que levou o grupo ao lugar de proeminência que ocupa hoje. Cathy é a alma e o foco visual de uma banda que soube conciliar a riqueza das raízes irlandesas com uma atitude de músicos urbanos (o que os coloca na mesma linhagem nobre dos Bothy Band, Planxty e De Danann) no sentido de uma perspetivação enriquecedora e modernizante dos modelos tradicionais. Uma estética, simultaneamente de interiorização e festividade, que não cessa de se renovar de álbum para álbum e que, para já, deixou testemunhos tão importantes como "Harmony Hill" (1993), "Playing with Fire" (1995), "At the End of the Day" (1996) e "Live in Palma", este último gravado ao vivo.
A atual formação dos Dervish é composta, além de Cathy Jordan (voz e "bodhran"), por Brian McDonagh (bandola), Liam Kelly (flauta, genial discípulo de Matt Molloy), Shane Mitchell (acordeão), Tom Morrow (violino), Sheamie O'Dowd (violino, guitarra e harmónica) e Michael Holmes (bouzouki).
No mesmo dia da sua apresentação no Intercéltico os Dervish terão a "desafiá-los" o virtuoso da gaita-de-foles galega, Xosé Manuel Budiño, que muitos veem como o legítimo sucessor do cada vez mais aburguesado e "superstar" Carlos Nuñez. Como Nuñez, Budiño é um inovador e um pesquisador da gaita-de-foles, procurando incessantemente novas sonoridades para este instrumento ao mesmo tempo que vem experimentando novas soluções formais para a folk da Galiza, quer com o seu grupo Fol de Niu, quer a solo, no álbum "Paralaia". Para "complicar" ainda mais a vida aos Dervish, Budiño leva ao Porto, além da sua banda de acompanhantes, dois convidados de peso, a cantora Mercedes Péon (presente em "Paralaia") e o violinista bretão Jacky Molard, fundador dos Gwerz e figura de proa das novas "festou noz" que iluminam a Bretanha neste final de milénio.

Cortos na polémica, Carta no bar

Mas o festival começa hoje. Com os adufões, adufes e outras percussões, tradicionais e não só, dos Adufe, projeto do percussionista José Salgueiro, ainda em fase de aperfeiçoamento mas onde são já visíveis os traços de uma inconfundível originalidade. A seguir, o Coliseu, abrirá espaço à polémica, com a atuação do grupo espanhol Celtas Cortos, praticantes de uma música de fusão onde as fronteiras entre o rock e a folk se esbatem e, por vezes, se digladiam. "Salida de Emergencia", "Gente Impresentable", "En estos Dias Inciertos..." e "Nos Vemos en los Bares" são títulos de alguns dos seus álbuns que, de algum modo, revelam a filosofia do grupo: uma abordagem abrangente de modelos tradicionais que não se esgotam na Galiza nem se deixam condicionar por práticas ortodoxas de interpretação e composição. Acontece, porém, que há quem os considere demasiado "cortos". Para se auto-designarem "celtas", bem entendido... A fação rock, essa não terá decerto razões para se queixar.
O Intercéltico, uma vez mais uma iniciativa da Câmara Municipal do Porto com a chancela organizativa da MC - Mundo da Canção, termina no domingo com a instituição bretã Tri Yann, banda de veteranos quase tão velhinhos como Alan Stivell mas muito mais engraçados. O seu primeiro álbum, "Tri Yann an Naoned" remonta a 1972 e o mais recente, "Tri Yann et L'Orchestre National des Pays de la Loire", gravado ao vivo e editado o ano passado, representa uma espécie de consagração. Com grandes meios e uma pompa e circunstância que a importância histórica do grupo justifica, não faltando sequer convidados como Dan Ar Braz, Alan Stivell (lá teve que ser...) e Gilles Servat. Os Tri Yann, cuja música já recebeu o carimbo de "céltica, medieval, folk rock", apresentam-se no Intercéltico com uma formação de sete elementos e carregados de instrumentação elétrica, cabendo a Jean-Louis Seveno, com as suas flautas, saltério, cromorna e bombardas, a representação da faceta mais tradicional do grupo.
Além da programação oficial, os mais saudosistas têm um brinde especial à sua espera. Depois dos concertos no Coliseu, tocará pela madrugada fora, no café-concerto do Rivoli, com funções de "animação intercéltica", uma das bandas lendárias de folk progressivo dos anos 70, nada mais nada menos que os Magna Carta. É que o tempo não perdoa e hoje os autores de "Seasons", "Songs from Wasties Orchard" e "Lord of the Ages" contentam-se em matar saudades e em acabar de encher com nostalgia os copos de whiskey e de Guiness... Com a mesma função de animadores, estarão presentes no Coliseu, de 25 a 27, os Winglers, bem conhecidos das noites etílicas de um bar irlandês da capital.
Como vem sendo hábito, o Intercéltico inclui na sua programação uma série de atividades paralelas, todas agendadas para o Teatro Rivoli. Este ano haverá o encontro "Ao Toque da Concertina" (sábado, 15h30, no Rivoli), com a presença de Artur Fernandes (Danças Ocultas), Amadeu Magalhães (Realejo) e dos tocadores-construtores Joaquim Cardoso Nogueira e Rui Nogueira, uma exposição alusiva à gaita-de-foles, venda de artesanato, exposição de desenhos, uma mostra de vídeo e a já tradicional feira do disco.

sexta-feira, 26 Março 1999
ARTES & ÓCIOS

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