19/12/2016

O festival da revolução [Cantigas do Maio]

SEXTA-FEIRA, 28 MAIO 1999 cultura

X Cantigas do Maio começam hoje no Seixal

O festival da revolução

Com os prodígios dos violinos dos JPP e da "trikitixa" de Kepa Junkera, o festival Cantigas do Maio arranca hoje na Fábrica Mundet, no Seixal. No ano da celebração em conjunto do seu 10º aniversário e do 25º da revolução de Abril. Um programa de luxo onde vão estar presentes alguns dos revolucionários da "world music" atual.

Depois do concerto inaugural, ontem no Fórum Cultural, com as polifonias vocais dos Camponeses de Pias e dos Tavagna, da Córsega, o Festival Cantigas do Maio prossegue esta noite, às 22h, nas antigas instalações da Fábrica Mundet, no Seixal, com os JPP da Finlândia, e os portugueses Brigada Victor Jara. Comandados por Arto Järvelä, guru da nova folk finlandesa, e Timo Alakotila, também pianista de jazz e conceituado compositor e arranjador, os JPP (Järvelän Pikku Pelimannit, os "Pequenos músicos folk de Järvelä") constituem um dos melhores exemplos da música que, nos últimos anos, tem sido produzida sob a égide da Academia Sibelius, em Helsínquia, famosa pela sua escola violinística.
            Os JPP representam o apogeu desta arte que recria de forma admirável as polskas tradicionais com um rigor e virtuosismo instrumental próprios da formação clássica dos seus elementos, juntamente com uma indisfarçável tendência para liberdades formais que devem tanto ao jazz como ao rock. Os JPP contam nas suas fileiras com quatro violinistas (além de Järvelä, o seu sobrinho Mauno Järvelä, Matti Mäkela e Tommi Pyykönen), Timo Alakotila, no órgão de pedais, e Timo Myllykangas, no contrabaixo. Entre outras obras de audição obrigatória deste grupo que lidera o movimento de renovação da folk finlandesa apontem-se "Pirun Polska", "Kaustinen Rhapsody" e o novo "String Tease", com a colaboração dos suecos Väsen, presentes na edição do ano passado do Cantigas do Maio, o mesmo acontecendo com Arto Järvelä e Timo Alakotila que atuaram como acompanhantes da sua compatriota e virtuosa do acordeão, Maria Kalaniemi.
            Mergulhando fundo as raízes na ruralidade e nas recolhas de Giacometti, a Brigada Victor Jara apresentará a sua particular fusão de sonoridades tradicionais de várias regiões de Portugal, num concerto que deverá ter por base o seu último álbum, "Danças e Folias" (já com quatro anitos em cima...) com a dinâmica adicional que decerto lhe imprimirá a voz de Minela, que tem acompanhado o grupo nas suas últimas atuações.

O que é a “txalaparta”?

            No sábado, a tenda montada nas antigas instalações da Fábrica Mundet receberá o grupo do acordeonista basco Kepa Junkera e o combo dos ciganos romenos Fanfare Ciocarlia.
            Junkera é um prodigioso executante da trikitixa (acordeão diatónico, em basco). Como Valentin Clastrier (e dois dos seus discípulos mais iluminados, Nigel Eaton e Gilles Chabenat), na sanfona, ou Carlos Nuñez e Xosé Manuel Budiño, na gaita-de-foles, Junkera inclui-se na classe dos revolucionários, dos eternamente insatisfeitos para quem os respetivos instrumentos não têm limites. Rodeado de estrelas da cena folk internacional, como acontece no seu álbum mais recente, "Bilbao 00:00h", ou ao vivo, como na espantosa amostra apresentada há um par de meses no auditório da FNAC em Lisboa, Kepa é um espetáculo que vale tanto pelo virtuosismo como pela ousadia dos seus arranjos para o reportório tradicional basco. Muita atenção aos dois – como manda a praxe – executantes da txalaparta. Quem não sabe do que se trata ficará de boca aberta quando a madeira se fizer ouvir...
            Também como manda a praxe nisto dos festivais de música folk, a noite terminará em festa. Com a fanfarra e a alegria contagiante de um grupo de ciganos provenientes da Roménia, os Fanfare Ciocarlia, a despertar-nos da agonia dos Balcãs, numa roda de tubas, trompas, clarinetes e bombos.
            Além dos concertos, o festival propõe uma série de atividades paralelas que vão do teatro de rua a exposições de pintura e artesanato. Como é que se consegue reunir um cartaz com a qualidade destas Cantigas do Maio (lembremos que no próximo fim-de-semana haverá concertos dos La Bottine Souriante, Milladoiro, Yungchen Lhamo e Susana Baca)? Com a capacidade organizativa da Associação José Afonso e um orçamento de 29.500 contos repartido pela Câmara Municipal do Seixal (10 mil de subsídio direto mais 12.500 em pagamento de faturas), a Região de Turismo da Costa Azul (4000 contos) e o Ministério da Cultura (2500 contos). Orçamento que, segundo a organização, tem crescido todos os anos "um bocadinho". Cerca de 10 por cento, correspondente a um aumento da mesma ordem dos 'cachets' dos artistas: "Estamos sempre a ampliar a iniciativa."

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