27|JUNHO|2003 Y
capa|música
Tema da capa “Movimentos Perpétuos à volta de
Carlos Paredes”, do qual fazem parte textos de Kathleen Gomes, Mário Jorge
Torres, Vítor Belanciano e este:
Paredes
meias com o jazz
2003
tem sido o ano em que todos se lembram de Paredes. Ele são os discos, ele são
as homenagens, as antologias, as reedições. Para o ano outro haverá para se cobrir
com a coroa (sem os espinhos) da glória. Quanto à música de Paredes, ela simplesmente
é.
O jazz não podia ficar fora do comboio.
Depois de Carlos Bica, Maria João & Mário Laginha e os novatos Verdes Sons
dizerem presente ao projeto “Movimentos Perpétuos”, é a vez do contrabaixista
Bernardo Moreira e do seu sexteto se lançarem na tarefa de recriar/reinventar
ou simplesmente dizer Paredes de forma pessoal. “Depois” é uma força de
expressão, porque o projeto há dois anos que germinou na cabeça do
contrabaixista e faz este mês um ano que se concluíram as gravações de “Ao
Paredes Confesso”, o disco em questão, agora editado pela Universal.
“Ao Paredes Confesso”, trocadilho
com o verso fadista “nem às paredes confesso”, inclui quatro temas do genial
autor de “Guitarra Portuguesa”, “Dança dos montanheses”, “Verdes anos”, “Sede e
morte” e “Variações sobre uma dança popular”, e três originais de Moreira,
“Canção para Carlos Paredes”, “Casa do alto” e “Ao Paredes Confesso”. Formam o
sexteto, além do contrabaixista, o seu irmão João Moreira (trompete, melódica),
André Fernandes (guitarra elétrica), Nuno Ferreira (guitarra elétrica), André
Sousa Machado (bateria, caixa popular) e Quiné (percussão), com a participação,
num dos temas, de Pedro Moreira, no saxofone soprano.
Para Bernardo Moreira, é um disco
“cuja linguagem não se confunde com outras abordagens anteriores à música do
Paredes”, como a de Pedro Jóia, que cita como exemplo. “Em relação ao Paredes
até acho que deve haver coisas a mais do que a menos”.
Bernardo Moreira justifica a
existência de “Ao Paredes Confesso” com uma “paixão” pelo guitarrista que “não
é de agora”. “Tive o privilégio de fazer a primeira parte de um concerto dele,
há dez anos, com o Quarteto do Mário Laginha. Apanhei um estaladão!”
A escolha de temas passou por um
processo de “audição intensa”, mas o resultado acabou por ser uma “coisa
natural”. “Comecei a tentar desconstrui-los e fui chegando... não sei se
consegui ou não...a minha ideia não foi nunca aproveitar melodias do Carlos Paredes
e dar-lhes um tratamento jazzístico e interpretá-las como se fossem temas de
jazz, mas tentar ir mais longe e fundir linguagens que aparentemente são
distintas mas que, no fundo, vão dar ao mesmo.”
O “bal musette”, o tango (“Canção
para Carlos Paredes”), o jazz rock (“Sede e morte”) e a música tradicional
portuguesa (“Variações sobre uma dança popular”) são algumas das linguagens que
se atravessam no caminho do jazz e remetem para uma leitura paralela do
universo de Paredes. Um universo que, como reconhece o contrabaixista, tem como
centro “a alma” – algo de que “toda a gente fala mas que é difícil traduzir por
palavras”. Outro é o do jazz e cruzam-se: o do jazz e o de Paredes.
Já se haviam cruzado quando o mestre
da guitarra portuguesa pôs o contrabaixista Charlie Haden a gatinhar atrás de
si, numa procura, dramática, de convergência, que se viria a revelar não
totalmente satisfatória. Paredes, nesse aspeto, era (quando tocava) como um
muro. Ou uma viagem de sentido único.
“Ao Paredes Confesso” resolve estas
contradições, anulando-as. Como acontece no quase apontamento, na economia
geral do álbum, que é “Verdes anos”, despojado da tensão que Paredes conferira
a esta melodia composta para o filme de Paulo Rocha. Ou partindo para
deambulações instrumentais que procuram solucionar as questões levantadas por
distintos modos de improvisação. Trabalho árduo. “A gente no jazz sabe que
regras é que estão em causa, se as quer quebrar ou não. No caso do Paredes não
há regras. Ou há as regras dele”.
Bernardo Moreira, um entre vários
exemplos do papel predominante – “é o nosso grito do Ipiranga!” – que os
contrabaixistas portugueses (Carlos Barretto, Carlos Bica, José Eduardo...) têm
assumido nos últimos tempos no jazz nacional, tem já novo projeto em mente, uma
“suite” com base na poesia da sua mãe, Yvette Centeno.
BERNARDO
MOREIRA SEXTETO
Ao
Paredes Confesso
Ed. e distri. Universal
7|10
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